Em dia 14 de fevereiro de 2002, quando da visita do chanceler alemão Gerhard Schroder durante o Fórum Econômico Brasil-Alemanha, o presidente da Republica, Fernando Henrique Cardoso, declarou: “O Congresso Nacional brasileiro é responsável pelo atraso da reforma tributária. Conclamo os empresários brasileiros a pressionar os parlamentares para agilizar a reforma, tão necessária para deixar os produtos brasileiros mais competitivos e permitir que o Brasil deslanche no seu processo de desenvolvimento”. Diante deste apelo gostaria de fazer alguns questionamentos e sugerir algumas respostas a este tema que se vem arrastando há muito tempo na agenda nacional.
Os questionamentos que levanto é se a distorção existente no sistema de representação parlamentar e de atribuições do parlamento brasileiro, tem sido a causa das crises políticas, da péssima distribuição das receitas tributárias e pelas dificuldades no processo de aprovação de reformas, a exemplo da reforma tributária, tão importante para o desenvolvimento, para desonerar o sistema produtivo nacional e para proteger a economia brasileira frente às crises internacionais? Face às questões levantadas sugiro a análise do nosso sistema representativo para chegarmos a resposta.
O sistema de organização política do Estado brasileiro vem acumulando historicamente crises de credibilidade. Avaliando as causas do problema, nem sempre se encontram nos poderes Executivo e Judiciário, podendo ser, devido ao sistema de representação parlamentar e de atribuições do parlamento brasileiro.
Mesmo que em todos os processos eleitorais sejam aprovados aperfeiçoamentos na legislação eleitoral e partidária, com modificações benéficas a participação da sociedade, dificilmente se chega a esta questão, qual seja, o sistema de representação parlamentar distorcido e de atribuições do parlamento brasileiro. Fazem-se modificações, mas não se põe em discussão um tema de tamanha relevância.
A dificuldade na aprovação da reforma tributária e do sistema de distribuição das receitas tributárias, que sobrecarrega o sistema produtivo nacional, tem relação com o modelo de representação parlamentar e de atribuições do parlamento brasileiro.
Um sistema de representação parlamentar desenvolvido de forma distorcida e que fere conceitos básicos do sistema bicameral, o Senado Federal como instância de representação dos Estados e a Câmara Federal como instância de representação do povo. Os senadores, que deveriam ter como atribuições discutir matérias de interesse da união e de conflitos entre as unidades da federação mantendo o equilíbrio das regiões acabaram se tornando revisores de todas as matérias legislativas, inclusive podendo vetá-las. Vale ressaltar que os senadores brasileiros têm um dos maiores campos de atribuições do mundo. Em razão disso à distorção deste sistema de representação é grave, pois os senadores têm poderes de decisão excessivos e como cada Estado tem direito a eleger três senadores, tendo Estado-membro que elege um senador com quarenta mil votos, enquanto outros Estados-membros elegem um senador com mais de um milhão de votos, esta distorção se reflete no sistema de poder. Para se comprovar, aproximadamente, 48 milhões de eleitores elegem 59 senadores e 61 milhões de eleitores elegem 22 senadores. O Senado Federal possui 81 cadeiras. A maioria absoluta é obtida com 42 votos, o que equivale aos senadores de 14 Estados. Assim, bastam os 14 Estados menos populosos, que representam 15% da população, votar em conjunto para barrar qualquer lei e até mesmo impor leis contra o interesse dos restantes 85% da população. O que demonstra isso do ponto de vista econômico é o fato de 9 Estados mais pobres terem 27 senadores, contra 21 senadores dos 7 Estados mais ricos, responsáveis por 74% do PIB brasileiro.
A Câmara Federal que de casa de representação popular, com a fixação, absurda, de um mínimo de oito parlamentares eleito por Estado e um máximo de 70 parlamentares, acabou se tornando em casa de representante do povo, onde cada eleitor teria o peso de um voto, numa casa representante dos Estados e da população de forma distorcida, onde uma grande maioria de eleitores não vale um voto. E nisso devemos destacar que um parlamentar de determinado Estado-membro é eleito com um coeficiente eleitoral de quinze mil votos e um, num outro Estado, com coeficiente eleitoral acima de trezentos mil votos. Em razão disso, aproximadamente, 44 milhões de eleitores elegem 263 deputados federais e 65 milhões de eleitores elegem 250 deputados federais.
Ao analisar o fato de que estas distorções acabam se refletindo na composição do Congresso Nacional, integrado por deputados federais e senadores, e que tem atribuições tão amplas, poderemos entender a demora na modernização das codificações brasileiras, pois em todas as votações, a exemplo do reforma tributária, precisa passar por uma ampla “negociação” envolvendo os interesses de todas as instâncias de poder da federação. Sem contar o fato que este sistema de representação distorcido é responsável pela manutenção de inúmeras estruturas administrativas e funcionais, desnecessária, que aumentam o custo do aparelho estatal brasileiro, recaindo sobre os custos do sistema produtivo nacional.
Por isso, precisamos trabalhar na construção de um novo pacto federativo e os critérios de representatividade e de atribuições do parlamento precisam mudar. O voto do cidadão de um Estado não pode valer menos do que o do cidadão de outro Estado, pois em alguns Estados o cidadão vale 0,5 voto e em outro vale 1,5 voto.
É preciso mudar a atual estrutura de organização do Estado brasileiro, sustentado num sistema de representação parlamentar distorcido e de excessivas atribuições dos senadores, que reflete nas votações do Congresso Nacional, para se implantar um verdadeiro Estado de direito democrático. E para isso precisamos implantar uma democracia sob o lema “um cidadão, um voto”. Democracia tão necessária para a construção de um projeto de desenvolvimento social e econômico originário da vontade do cidadão.
Geraldo Serathiuk
é advogado, especialista em Direito Tributário – Ibej.