Quando lançamos o olhar sobre o campo trabalhista brasileiro, a burocracia para contratar, a concentração de encargos sociais sobre a folha de pagamento e a desvalorização da mão-de-obra, ante a fragmentação do mercado, a escassez de programas de capacitação e a queda na renda, emergem como alguns dos tópicos que mais sacrificam o trabalhador e desmantelam o mercado de trabalho.
São questões lapidares que merecem tratamento de absoluta prioridade. Entendemos que devam integrar a pauta da reforma trabalhista, que não pode mais ser protelada, sob pena de se perpetuar o conjunto de mazelas que impede o aperfeiçoamento das relações entre o capital e o trabalho. Por isso mesmo, é inaceitável a desculpa de autoridades do Ministério do Trabalho que acabam de condenar a reforma trabalhista ao esquecimento, inserindo-a na agenda das propostas que não interessam ao Executivo. O parlamento não pode aceitar a hipótese do adiamento.
Analisemos as razões pelas quais a reforma deve ser feita urgentemente. O índice de informalidade no mercado de trabalho já atinge 60% da PEA (população economicamente ativa). Trata-se de um conglomerado de trabalhadores sem carteira assinada e que, portanto, não possui direitos trabalhistas garantidos e nem consta na base de arrecadação da Previdência Social. O índice de informalidade apontado pelo IBGE é mais modesto e situa-se entre 25% e 30%. Já o tamanho do setor informal gira em torno de 10% do total de bens e serviços produzidos no País, de acordo com os cálculos mais conservadores, mas há estudos que apontam um percentual bem maior, coisa de entre 20% e 30% do PIB.
Dos 70 milhões de brasileiros que estavam trabalhando no início de 2002, 28 milhões eram contribuintes do INSS e 42 milhões não tinham nenhum vínculo com aquele sistema, embora o instituto banque uma série de benefícios para trabalhadores rurais, idosos carentes, portadores de deficiência e vários outros que são apenas consumidores, e não contribuintes do sistema previdenciário. A expansão da informalidade, sem a devida contrapartida de contribuição à seguridade social, constitui grave foco de tensão e distorção para as contas do erário, fato que gera forte influência sobre a confiabilidade macroeconômica do País.
Diante dessa realidade, mudanças nas leis trabalhistas resultarão inócuas, caso não se amparem em estratégias e programas voltados para a inclusão no mercado formal dos desprovidos de direitos. O País requer uma legislação mais flexível, que abra espaço à negociação entre capital e trabalho, e que não signifique perda ou redução de garantias e direitos dos trabalhadores. Para tanto, um sistema sindical forte, menos fragmentado e oportunista se faz necessário, a fim de assegurar a representatividade da classe trabalhadora na mesa de negociações. Leis melhores, mercado mais aberto à expansão, distensão nas relações sindicais, harmonia e parceirização nas negociações entre empresários e trabalhadores, eis o escopo da reforma trabalhista. Leis consideradas boas e que não se aplicam a todos os trabalhadores, ou ao menos à grande maioria, são como espada na bainha. Não têm funcionalidade.
Nesse contexto, a revisão da CLT no que tange à contratação, especialmente em relação aos custos – os encargos sobre os salários já ultrapassam os 100% – e aos trâmites burocráticos, deverá ser ponto central. Deve ser eliminada a decisão de as empresas depositarem 50% do FGTS por ocasião da dispensa de trabalhadores, mecanismo que acaba comprimindo o mercado de trabalho. A melhoria das condições gerais de trabalho terá repercussão direta na produtividade.
A situação brasileira nesse setor é precária. A produtividade média do trabalho em todo o mundo, de acordo com a OIT, cresceu 1,2% na década passada. No Brasil, esse índice não passou dos 0,2%, abaixo até mesmo do latino-americano, 0,7%, enquanto os Estados Unidos obtiveram crescimento de 2,8%. Mais uma vez, aparece a informalidade como responsável por esse índice. As áreas mais avançadas e organizadas da indústria exibem índices muito bons, enquanto os espaços mais desorganizados da economia tendem a expandir o trabalho precarizado e, conseqüentemente, as baixas taxas de crescimento de produtividade.
É forçoso lembrar que, sem crescimento, nada poderá elevar o ritmo de contratações formais no mercado de trabalho ou o aumento de produtividade. Enquanto equacionam-se medidas capazes de injetar energia nas atividades produtivas e nos índices de emprego, a partir da redução dos juros, urge buscar instrumentos para os devidos ajustes no mercado de trabalho. Entre as medidas, sugerimos a adoção de uma estratégia de estímulo à base produtiva interna, expansão do acesso ao crédito, desoneração de atividades que mais empregam no País e reformulação do corpo sindical brasileiro.
Uma coisa deve ficar clara: reforma trabalhista à custa de retirada de direitos do trabalhador será um retrocesso. O avanço, que depende do Executivo, deve ser no sentido da expansão do trabalho formal e da eliminação das barreiras burocráticas que impedem o crescimento do setor produtivo.
Ramez Tebet, senador (PMDB-MS), é presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.