O ministro do Trabalho e Emprego, Ricardo Berzoini, pretende acelerar o processo de discussão das reformas sindical e trabalhista. Até o final de março quer encaminhar a proposta de emenda constitucional referente a organização sindical (art. 8.º, CF/88). Ainda este mês, o debate será concluído no âmbito do Fórum Nacional do Trabalho, com relatório ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É um rumo desaconselhável. Este ano será pautado pelas eleições municipais e não há espaço para o debate da matéria, nem na sociedade civil, nem no Congresso Nacional. Pior ainda: caso a proposta que venha a ser encaminhada não seja consensual, as divergências do movimento sindical dos trabalhadores e empregadores não contribuirão para o avanço da temática no Parlamento. Melhor será que, finalizado o debate no âmbito do Ministério do Trabalho, a proposta dele derivada retornaria á análise da base sindical, visando a possibilidade de consenso, dentro de um esforço de superação das posições diferenciadas. Assim, o ano de 2004 seria dedicado a reexame das questões e a tentativa de fechamento de uma proposição básica, podendo ser interligada com as propostas relativas à negociação coletiva e composição de conflitos, diretamente vinculadas à questão sindical. Esta visão tem por base o seguinte, entre outros pontos (a) todas as questões políticas irão confluir para o processo eleitoral (b) a matéria sindical é um dos pontos mais sensíveis nas relações de trabalho (c) encaminha-se para um posicionamento de duas estrutruras diferenciadas, uma aos empregadores (mantendo a unicidade) e outra aos trabalhadores (caminhado para a possibilidade do pluralismo) (d) os dirigentes sindicais são ativos participantes das eleições e o tema poderá ser ponto de desagregação de posições unitárias em defesa das questões centrais relativas ao desemprego e inclusão social, prejudicando as metas prioritárias do governo federal. Eis, portanto, estas considerações para reflexão.
Para amplo conhecimento do estágio em que se encontra o debate sobre a matéria sindical, é importante conhecer os temas constantes do relatório do grupo temático do Fórum Nacional do Trabalho, que concluiu suas atividades no dia 22 de janeiro, a saber: “(1) O objetivo do grupo foi construir consensos sobre a nova estrutura sindical dos trabalhadores e empregadores, a sustentação financeira das entidades e a representação dos trabalhadores no local de trabalho. Os dois primeiros pontos foram debatidos em separado, uma vez que se decidiu que as estruturas sindicais de trabalhadores e empregadores poderiam ser organizadas de forma diferenciada uma da outra. Em ambas as negociações, no entanto, o governo estabeleceu como referência para o debate o fortalecimento da representatividade dos sindicatos e da sua autonomia política e financeira. No processo de negociação foram realizadas várias reuniões bilaterais entre o governo e as bancadas dos trabalhadores, de um lado, e dos empregadores, de outro”.
Algumas questões foram objeto de consenso entre as três bancadas, segundo o relatório: (2) “Todos concordam com a criação do Conselho Nacional de Relações do Trabalho, com caráter triparte e paritário. Entre outras atribuições, o Conselho poderá propor diretrizes de políticas públicas e avaliar programas e ações governamentais, no âmbito do MTE, sobre relações de trabalho. Na esfera do Conselho serão constituídas duas câmaras bipartites, uma formada por governo e trabalhadores e a outra por governo e empregadores. As câmaras vão administrar os recursos do Fundo Solidário de Promoção Sindical, em consonância com as normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Relações do Trabalho, entre outras atribuições”.
Quanto a contribuição sindical compulsória fixada na Constituição Federal e na CLT, o relatório enfatiza que (3) “todas as centrais que participam do Fórum já admitem o fim do imposto sindical, de forma gradativa, no decorrer de três anos. As contribuições assistencial e confederativa também seriam extintas. Como alternativa de financiamento da estrutura sindical deve ser criada a taxa negocial. Essa contribuição deverá ser aprovada em assembléia-geral pelos trabalhadores e só poderá ser cobrada pelos sindicatos que participarem de processos de negociação coletiva. O percentual da taxa será acertado na Comissão de Sistematização do FNT. A negociação caminha para o consenso em torno da cobrança de no máximo 12% do salário de um mês, uma vez por ano. A assembléia também poderá decidir se o pagamento da taxa será parcelado. No período de transição será criado o Fundo Solidário de Promoção Sindical que, além de financiar o funcionamento da Comissão Nacional de Relações do Trabalho, tem como objetivo financiar a formação e capacitação de dirigentes sindicais, atividades de estudos e pesquisa nas áreas econômica e de saúde e segurança no trabalho, bem como campanhas institucionais e de valorização da sindicalização. Outro ponto, ainda em negociação, é se haverá redução do percentual do imposto sindical cobrado hoje dos trabalhadores já no período de transição”.
No que concerne à organização dos trabalhadores, o relatório indica pontos importantes sobre a estrutura sindical que foram negociados: (4) “As centrais sindicais serão as instâncias máximas, seguidas das confederações, organizadas por setor de atividade econômica; federações nacionais ou estaduais, por ramo de atividade econômica; e sindicatos, também por ramo de atividade econômica. Os representantes dos trabalhadores optaram por um modelo sindical que permite a liberdade de organização para as centrais, confederações e federações, e que prevê a aferição da representatividade das entidades. Em relação aos sindicatos, aqueles que possuírem registro anterior à promulgação da nova lei poderão manter o sistema de representação exclusiva, desde que concordem em se adequar a novas regras, como a deliberação em assembléia-geral pelo sistema de sindicato único. O sindicato com exclusividade de representação também terá que adaptar o seu estatuto a exigências que serão estabelecidas em lei, como, por exemplo, a realização de processos eleitorais transparentes e democráticos. Caso os trabalhadores optem pela exclusividade da re-presentação, as entidades terão um período de transição de 3 anos para se adequarem aos critérios de representatividade (número de sindicatos de base, ramos de atividade, presença em determinado número de Estados e percentual mínimo de sócios). A perspectiva é de se chegar à Comissão de Sistematização com os critérios de aferição de re-presentatividade minimamente negociados com os representantes da bancada dos trabalhadores”.
No que se refere à organização dos empregadores, diz o relatório que (5) “os empregadores resistem a mudanças no seu modelo de organização sindical. O único avanço permitido pelas confederações patronais até agora foi a possibilidade de suas instituições terem a representatividade aferida. Eles não aceitam a liberdade sindical e querem manter a atual estrutura confederativa. O governo deixou claro que se dispõe a negociar, mas não abre mão de substituir o sistema de unicidade e de extinguir o imposto sindical. Eles ficaram de analisar a proposta do governo de estender para os empregadores a proposta de exclusividade da representação, já negociada com os trabalhadores, e de criação de uma contribuição negocial patronal”.
Na questão relativa à representação dos trabalhadores no local de trabalho, também “(6) os empregadores vêm demonstrando resistência. Para eles, esta representação não pode acontecer via sindicatos. Por enquanto, só se dispuseram a avaliar a possibilidade de que o processo eleitoral dos representantes se dê com a presença das entidades sindicais. Também divergem da proposta do governo e dos trabalhadores acerca do número de representantes correspondente por empregados na empresa. Para os trabalhadores é imprescindível que essa representação no local de trabalho tenha caráter sindical. Pela proposta da bancada, para votar e ser votado o representante do trabalhador deve ser sindicalizado e, se eleito, gozar de estabilidade no emprego”.
Assinala o Ministério do Trabalho que até a última rodada de reuniões da Comissão de Sistematização devem acontecer reuniões de negociação entre o governo e as bancadas para acertar as questões pendentes. Independentemente dos acordos prévios, todas as questões serão apreciadas pela Comissão de Sistematização e posteriormente encaminhadas à plenária, agendada para o dia 17 de fevereiro. Nesta plenária, poderá ser analisada a questão do envio ao Congresso Nacional das proposições de reforma, sobre se será oportuno debater, em ano eleitoral, tão difícil e controvertido tema.
Edésio Passos
é advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e da Abrat, integrante da Comissão Nacional do Direito e Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e assessor técnico do Departamento Intersindical da Assessoria Parlamentar (Diap). Deputado Federal na Legislatura 1990/1994.edesiopassos@terra.com.br