A análise comparativa inicial e esquemática do anteprojeto de substitutivo do deputado Tarcísio Zimmermann, que condensa quatorze projetos de lei de regulamentação da organização sindical, e do anteprojeto de lei de relações sindicais do governo federal, indica questões essenciais que possibilitam o conhecimento básico das proposições quando da retomada do encaminhamento da matéria na Câmara dos Deputados. Embora o Parlamento atravesse período de crise que se estenderá ainda por muitos meses, no plano da Comissão do Trabalho será possível a apreciação do referido substitutivo e, no plano dos estudos do anteprojeto do governo federal, será a oportunidade de extirpar a proposição de seus pontos inconstitucionais. Separamos alguns temas de maior interesse para conhecimento das proposições para a análise comparativa.
01. Categoria profissional, econômica, preponderante e diferenciada: o substitutivo mantém o conceito de categoria profissional e econômica, diferenciada e preponderante. Limita a categoria diferenciada apenas às regulamentadas em lei (assim como o anteprojeto do governo federal), excluindo, por exemplo, a importante e numerosa categoria dos trabalhadores rodoviários, alterando a atual redação da CLT, que melhor expressa a realidade profissional dos trabalhadores diferenciados. Prevê a possibilidade de opção do trabalhador de ingressar no sindicato da categoria preponderante ou no da categoria específica (assim como no projeto do governo federal), o que resulta em confusão de representatividade, devendo essa possibilidade ser excluída por absoluta inviabilidade e inconveniência. Já o projeto do governo estabelece que ?os sindicatos de trabalhadores serão constituídos pelo critério do ramo de atividade econômica preponderante da empresa? e ?os sindicatos de empregadores serão constituídos pelo critério do setor econômico ou do ramo de atividade preponderante da empresa ou das unidades econômicas?, resultando em exclusão do conceito de categoria profissional e econômica, substituindo-o pelo de ramo de atividade preponderante e, neste sentido, inconstitucional (art.8.º,II,CF/88).
02. Unicidade sindical, Federações, Confederações e Centrais Sindicais: o substitutivo mantém a unicidade sindical com a mesma redação do art.8.º,II,CF/88. Mas o art.7.º possibilita sindicatos distritais, no que é inconstitucional. Por sua vez, o texto do governo federal não atende a questão da unicidade, prevendo: ?Art. 4..Os trabalhadores e os empregadores têm direitos a constituir entidades sindicais para a defesa de seus interesses de classe, sem autorização prévia, cumprindo ao Ministério do Trabalho e Emprego, mediante a comprovação dos requisitos de representatividade, habilitá-los para o exercício das atribuições e prerrogativas sindicais estabelecidos nesta lei?. O governo federal manteve a questão da representatividade constante na versão anterior e elimina a unicidade sindical constitucional, abrindo campo ao pluralismo. O substitutivo é falho em não fixar com clareza que as Federações são a representação das categorias profissionais pelo sistema da unicidade, como faz em relação às Confederações. Mas quanto a estas, além das nacionais, podem ser interestaduais, possibilidade que gera a confusão, quebrando a verticalidade unitária necessária entre sindicato, federação e confederação. Ademais, erra em possibilitar que os sindicatos possam se filiar diretamente à Confederação, criando ainda mais ambigüidade e fragilidade no sistema, alternando fórmulas contraditórias entre si. O projeto do governo federal prevê que os sindicatos de trabalhadores e de empregadores poderão criar federações estaduais, interestaduais e nacionais por ramo de atividade econômica, e confederações por setor econômico, o que é inconstitucional por eliminar o conceito de categoria profissional e econômica (Art.8.º,II,IV,CF/88). Quanto às Centrais, prevê o substitutivo que ?as centrais sindicais têm papel institucional e político e representam as entidades sindicais a elas associadas?. O projeto do governo federal cria as ?centrais sindicais nacionais? sem precisar o papel a ser desempenhado no sistema.
03. Registro Sindical e os dirigentes sindicais: o substitutivo mantém a competência do Ministério do Trabalho e Emprego para proceder ao registro sindical em iguais condições do atual sistema de regulamentação por instruções baixadas pelo Ministro do Trabalho e Emprego. Inova quanto a criação de nova entidade por desmembramento da categoria original, obrigando à manifestação dos representados pela entidade existente: ?Art. 14. Compete exclusivamente aos interessados definir a abrangência das respectivas categorias e da base territorial representada. Parágrafo único. A criação de novo sindicato na base de abrangência de sindicato já registrado, inclusive por desmembramento, bem como a fusão ou a extinção de entidade sindical somente podem ser realizadas após manifestação favorável de mais de 2/3 (dois terços) dos representados pela entidade original?. O projeto do governo federal estabelece que ?a habilitação das entidades sindicais ao exercício das atribuições e prerrogativas sindicais será obtida junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, mediante a comprovação dos requisitos de representatividade estabelecidos pelo Conselho Nacional de Relações do Trabalho CNRT?. Tendo em vista a quebra do princípio constitucional da unicidade sindical, o critério da representatividade sem o da unicidade, é inconstitucional, pelo que todo sistema de habilitação não se sustenta juridicamente. Segundo o substitutivo o ?mandato dos membros eleitos para a administração de entidade sindical não pode ser superior a 4 (quatro) anos? e ?as diretorias das entidades sindicais são constituídas por, no máximo, 81 (oitenta e um) membros, nas empresas com até 200 (duzentos) empregados pode ser eleito apenas um dirigente sindical, nas empresas com mais de 200 (duzentos) empregados, pode ser eleito mais um dirigente sindical a cada grupo de 200 (duzentos) trabalhadores, os limites podem ser alterados por convenção ou acordo coletivo de trabalho?, sendo que o ?conselho de representantes é formado pelas delegações das entidades filiadas à entidade sindical de grau superior, de acordo com os respectivos estatutos? e o ?conselho fiscal é composto de 3 (três) membros e sua competência é limitada à fiscalização da gestão financeira?. Todos os dirigentes sindicais têm estabilidade provisória no emprego, desde a candidatura até um ano após o término do mandato. A limitação de eleição de apenas um dirigente em empresas com até 200 empregados e um a cada grupo de 200 empregados nas demais empresas, poderá inviabilizar muitos sindicatos, fórmula também prevista no projeto do governo. Trata-se de matéria a ser melhor examinada em ambos os projetos.
04. Eleições Sindicais: o substitutivo fixa regra de convocação das eleições sindicais ?no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias e, no mínimo, de 90 (noventa) dias antes do término do mandato, o sindicato deve convocar assembléia geral para definir a data de realização das eleições da diretoria e do conselho fiscal?, mas não estabelece a obrigatoriedade da convocação em Diário Oficial do Estado e jornal local, para garantir a ampla publicidade. Comissão eleitoral organizará e dirigirá o pleito. Fixa que ?são eleitos presidente e vice-presidente os candidatos cujos nomes estiverem, respectivamente, em primeiro e segundo lugar na lista que compõe a chapa mais votada? e ?a distribuição dos demais cargos da diretoria e do conselho fiscal é determinada pela proporcionalidade dos votos obtidos pelas chapas, obedecida a ordem disposta na lista?, inovando quanto a proporcionalidade, inovação inoportuna que poderá inviabilizar a administração sindical face a antagonismos das partes em disputa. O anteprojeto do governo federal não detalha o processo eleitoral, cabendo ao estatuto sindical essa especificação.
05. Custeio das Entidades Sindicais: o substitutivo indica como receitas as contribuições associativa e confederativa (ambas aos associados) e a contribuição sindical (derivada da negociação coletiva), extinguindo a atual contribuição sindical obrigatória de um dia do salário do empregado. A nova contribuição sindical não poderia ?ultrapassar 1% (um por cento) do valor da remuneração do trabalhador e é descontada mensalmente, enquanto vigorar a convenção ou o acordo coletivo de trabalho; no caso de negociação coletiva frustrada, a contribuição é descontada pelo período de um ano após a autorização da assembléia de representados?. O projeto do governo federal admite a contribuição associativa (dos associados) e a contribuição de negociação coletiva, paga pelo trabalhador que não poderá ultrapassar o valor máximo de 1% (um por cento) ao mês do salário básico recebido, independentemente do número de contratos coletivos celebrados nos diversos âmbitos de negociação das entidades sindicais. Também elimina a atual contribuição obrigatória, que será extinta no período de três anos, a partir do início da vigência da Lei. Se mantida a unicidade sindical com o conceito de representação pelo conjunto da categoria profissional ou econômica, deve ser mantida a contribuição sindical obrigatória, ou seja, os recursos financeiros mínimos para sustentação do sistema.
Edésio Passos é advogado, assessor jurídico de entidades sindicais de trabalhadores, integrante do corpo técnico do DIAP e ex-deputado federal (PT/PR).
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