Reforma política, já

Faz três meses ou mais que o Congresso Nacional não trabalha e em Brasília já se começou a falar em convocação extraordinária dos parlamentares para o mês de janeiro. A tese viceja na esteira do jogo-de-braço que travam governistas (e outros fisiológicos e oportunistas) contra o governo emparedado pela questão da liberação das verbas relativas às emendas orçamentárias – uma espécie de greve a que se entregaram, sem teias nem peias, os nem sempre nobres representantes do povo brasileiro.

Para justificar a necessidade de trabalhar nas férias, o raciocínio é simples: faltando pouco mais de um mês para o recesso de fim de ano, a pauta continua trancada pelas medidas provisórias que sempre têm preferência sobre qualquer outro tema. Quando houver acerto para iniciar a votação – e isto depende da tal “cesta de conversas” referida pelo presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, em que, além das emendas, entram ingredientes indigestos como a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado – só então serão analisadas as medidas que o presidente Lula assinou sem dar pelotas para o Congresso. Entre elas, está a polêmica decisão que deu status de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, livrando-o assim da investigação do Ministério Público que o acusa de irregularidades fiscal e eleitoral. Com tempo curto demais para debater e aprovar tudo antes do Natal, a convocação extraordinária seria necessária para a apreciação de projetos que continuam prioritários para o governo, como a nova Lei de Falências, o projeto da biossegurança e as parcerias público-privadas.

A iniciativa da convocação seria do governo. E funcionaria também como moeda (um atrativo a mais, pelo menos) de troca para os difíceis acertos pós-eleição em que se empenha o presidente da República, pela recomposição de sua base de apoio e também de olho na sua própria reeleição. Afinal, cada parlamentar em trabalho extraordinário embolsaria durante o mês de janeiro e de praias no mínimo mais R$ 25 mil, importância nada desprezível mesmo para um senador da República. O custo dos 513 deputados e 81 senadores seria qualquer coisa próxima dos quinze milhões de reais, sem considerar o pagamento, também extraordinário, dos funcionários do Congresso, que também têm direito assegurado ao recesso.

Ora, a nação ainda está lembrada do entrevero ocorrido no ano passado, quando o próprio presidente da Câmara entendia a convocação extraordinária como uma imoralidade. Na oportunidade, chegou-se (como sempre ocorre às vésperas de uma convocação extraordinária) a desenterrar alguns projetos que dormitavam nas gavetas do Congresso encurtando o tempo dos recessos, isto é, das férias dos parlamentares, que são duas anuais. A convocação aconteceu, todos receberam os contracheques, o serviço não rendeu, e os tais projetos voltaram para as mesmas gavetas de sempre. Provavelmente, serão desenterrados outra vez, agora.

Que o sejam, mas juntamente com outros projetos já amarelecidos pelo tempo, entre eles o da reforma política que, entre outras coisas, deverá criar mecanismos que possibilitem colocar um ponto final nessa desavergonhada barganha a que se dedicam os parlamentares e seus waldomiros toda vez que alguma coisa de importante está na mesa da votação. Assim foi na reforma inacabada da Previdência, iniciada já no primeiro governo de Fernando Henrique. Assim foi nas demais reformas que ficaram pelo caminho. Assim está sendo com Lula e todas as suas reformas pretendidas, incluindo a tributária, a trabalhista e a sindical. No dia em que essa compra, por parte do Executivo, de deputados no varejo deixar de ser possível, o jeito de fazer política de muito cacique de hoje deixará de ter sentido. Há, pois, que se começar a pensar numa reforma política com profundidade e seriedade, sem o que todas as demais reformas correm o mesmo risco: o risco que verte da inesgotável fonte do fisiologismo.

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