A reforma política, indispensável para que não caia por deterioração irrecuperável o nosso frágil e defeituoso regime democrático, parece que vai acontecer na marra. Não que o povo esteja se levantando em armas para consegui-la. O brasileiro não é disso. Mas em razão de que a Justiça, diante de normas e falta de normas que geram situações insuportáveis e absurdas, começa a enquadrar o sistema. Coloca-o, aos poucos, porém com medidas de profundas conseqüências, na linha doutrinária da verdadeira democracia, que deve ser o regime do povo, para o povo e pelo povo. E que se sustente no tripé de três poderes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e não na prevalência forçada de um desses poderes sobre outro, nas mancomunações para impor interesses de partidos, grupos ou pessoas que fazem a nossa democracia manquitolar para, se não consertada, acabar despencando num processo anárquico sem volta.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que os mandatos dos eleitos para cargos proporcionais, deputados federais, estaduais e vereadores, não são donos dos seus mandatos. Os mandatos são dos partidos políticos e a troca-troca de legendas, que atende muitas vezes a interesses escusos, passou a ser declaradamente ilegal. Assim, cada partido terá tantos deputados e vereadores quantos conseguiu eleger pelo voto do povo nas urnas. Não será roubado depois da posse, quando forças políticas mais poderosas ou interesses atraentes ditam a troca de legendas. Geralmente, a migração de oposicionistas para o situacionismo, ao custo dos mensalões. Pouco antes da decisão, o STF havia decidido processar quarenta beneficiários dos mensalões, a compra de apoios com dinheiro vivo.
A proibição de troca de partido político quando o eleito já está no exercício do mandato foi referendada depois que o Tribunal Superior Eleitoral, em resposta a uma consulta, esclareceu que essa é uma manobra ilegal. Agora, em processos administrativos, depois de regulamentação, caso a caso será apreciado na corte especializada. E também sobre os cargos majoritários. O deputado Nilson Mourão, do PT, consultou o TSE sobre se senadores, governadores, prefeitos e até o presidente da República, que ocupam cargos majoritários e não proporcionais como os demais, também estão proibidos de virar casaca, trocando de partido. Espera-se uma resposta imediata daquela corte especializada.
O presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, já firmou: ?O sistema eleitoral é o mesmo. Muito embora não se tenha, nos pleitos majoritários, a definição das cadeiras pelos votos dados às siglas, deve-se considerar que não há no Brasil candidaturas avulsas. A participação dos partidos é efetiva?. E acrescentou: ?Embora seja uma consulta, nós devemos disciplinar o processo administrativo de justificação das trocas de partido de forma abrangente, incluindo também a eleição majoritária?.
O ministro Cesar Pelluzo já foi designado relator dos processos de perda de mandato por infidelidade partidária. E quem será relator da consulta sobre os ocupantes de cargos majoritários é o ministro Carlos Ayres Britto. O que não se tem afirmado, mas que está no cerne dessas interpretações que a Justiça tem dado à legislação eleitoral, buscando impedir facilidades em negociatas em que o objeto de comércio tem sido os mandatos políticos dados pelo povo, é a fidelidade aos partidos assim entendidas entidades políticas organizadas em torno de programas e ideologias. É de se esperar e mesmo desejar que, a partir desses atos judiciais de reforma, na marra, do nosso capenga sistema político, os próprios partidos façam um pouco mais. Eles devem começar a cuidar de programas e idéias, para que não continuem sendo todos iguais, ou seja, grupos políticos que estão reunidos com o único propósito de fazer bom proveito para seus membros da boa vontade.