Reforma do Judiciário – “Súmula Vinculante”

“A história nos ensina que o ponto em que a civilização entra em crise é quando a maioria das pessoas deixa de ter respeito pela lei”

. Gavin Relly.

A Reforma do Poder Judiciário é necessária e inúmeras razões podem ser elencadas para justificá-la: algumas de caráter sócio-econômico e outras estruturais do próprio Órgão, que podem ser assim sintetizadas:

a)Aumento da população e seu reflexo no crescimento da litigiosidade(1);

b)Adoção de sucessivos planos econômicos pelo Governo, que refletem no aumento das demandas judiciais(2).

c)O excessivo número de recursos previstos na legislação processual, que protelam a efetividade das sentenças(3);

d)A dificuldade de acesso ao Poder Judiciário(4);

e)A constitucionalização de novos mecanismos de preservação de direitos individuais e coletivos e que também aumentam a procura pelo Poder Judiciário;

f) a falta de estrutura do Poder Judiciário para atender a demanda;(5)

Essas causas – que não devem ser debitadas unicamente ao Poder Judiciário, mas vistas como deficiências do sistema sócio-econômico vigente – precisam ser moldadas, pois provocam no cidadão a perda da credibilidade nos resultados da Justiça, especialmente em razão da demora e da dificuldade de acesso. Por conseqüência, a prestação jurisdicional não acontece da maneira que muitos Juízes gostariam que acontecesse e a população acaba sendo a principal vítima desse sistema, quando deveria ser a principal destinatária.

“Tem poder aquele em quem a multidão confia”

(Ernest Raupack).

As mudanças não dependem apenas da vontade dos julgadores, mas especialmente dos legisladores, que precisam, com urgência, ajustar os mecanismos legais que permitam a celeridade na prestação jurisdicional.

A emenda constitucional que trata da “Reforma do Poder Judiciário” é de caráter orgânico e não instrumental, insuficiente, portanto, para promover os ajustes necessários para agilizar a resposta jurisdicional. A solução só virá com alterações legais infraconstitucionais.

Dentre os projetos que tramitam no Congresso Nacional, o de maior relevância é a antiga proposta de emenda constitucional n.º 96 (PEC 96), cuja tramitação na Câmara dos Deputados teve início em 1992, prevendo profundas medidas transformadoras. Inicialmente apresentada pelo Deputado Hélio Bicudo, acabou sendo apensada à PEC n.º 112/95, que instituía o controle externo do Judiciário, e transformou-se no substitutivo, que teve como Relatora a Deputada paulista Zulaiê Cobra (PEC 96-A/92).

Aprovada na Câmara dos Deputados, com exclusão da aplicação da denominada “lei da mordaça” para a Magistratura e o Ministério Público e do “foro privilegiado”, a Proposta de Emenda à Constituição tramita atualmente no Senado Federal (PEC 29/2000). Foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e está prestes a ser apreciada pelo Plenário do Senado, o que deve acontecer nos próximos dias. Depois de mais de dez anos de tramitação, deverá ser promulgada a “Reforma do Judiciário”.

A reforma alcança mais de vinte artigos da Constituição Federal, que dizem respeito ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Advocacia e à Defensoria Públicas.

Vários temas estão sendo objeto de alteração, dentre eles, a instituição da súmula vinculante; a criação do Conselho Nacional de Justiça como Órgão de controle externo do Poder Judiciário e a criação do Conselho Nacional do Ministério Público; a exigência de, no mínimo, três anos de atividade jurídica para ingresso do bacharel em Direito na Magistratura e no Ministério Público; a “quarentena” para o exercício da advocacia aos juízes, após aposentadoria ou exoneração, no juízo ou tribunal do qual se afastou; a inserção de critérios objetivos de produtividade e desempenho para promoção; a extinção dos Tribunais de Alçada; as sessões públicas dos Tribunais, inclusive para decisões administrativas; a vedação de férias coletivas ou recesso nos juízos e tribunais de 2.º grau; a reabertura da discussão sobre “foro privilegiado” para ações de improbidade e ações populares e para ex-agentes políticos; eleição direta para escolha dos dirigentes dos Tribunais; vedação do nepotismo e outras.

As questões que mais nos chamam a atenção dizem respeito à súmula vinculante, à criação do Conselho Nacional de Justiça ? controle externo do Poder Judiciário e a criação do Conselho Nacional do Ministério Público, bem como a federalização de competência para julgamento de crimes contra os direitos humanos.

O objetivo, neste artigo, é centrar atenção na “súmula vinculante”, eis que o texto aprovado na Câmara acabou sendo reproduzido na votação em dois turnos na CCJ do Senado, e, se aprovado em Plenário, pode vir a ser promulgado, acrescendo à Constituição Federal o artigo 103-A, que prevê:

“Art. 103A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1.º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2.º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade(6).

§ 3.º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”.

A leitura do artigo com a inserção da súmula vinculante deixa claro que é a alteração mais profunda que se poderia fazer na estrutura do Poder Judiciário, que sempre esteve orientado pelo Princípio da Legalidade – a exemplo do que acontece com os países que seguem o Sistema Romano-Germânico(7) – para aproximá-lo do sistema inglês do “common law”.

A súmula passará a ter uma força normativa cogente, semelhante à da lei, ou quiçá mais forte, pois não admitirá controle difuso de constitucionalidade(8), garantia que existe entre nós, desde a primeira Constituição republicana de 1891. E pior, nos termos do que dispõe o § 3.º, o Supremo Tribunal Federal poderá cassar a decisão judicial ou ato administrativo que contrariar ou aplicar indevidamente a súmula.

A súmula vinculante tem seus adeptos, que asseveram a sua necessidade como forma de descongestionar o elevado número de recursos que tramitam nos Tribunais Superiores, conferindo maior agilidade nos julgamentos, pois muitos são de matéria repetitiva. E também por representar maior segurança jurídica e unidade do sistema, evitando decisões conflitantes acerca do mesmo tema.

De fato, a repetição de conteúdo jurídico dos recursos que chegam aos Tribunais Superiores, especialmente em razão de políticas econômicas, tributárias e previdenciárias adotadas pelo Governo, fazem com que o próprio Estado seja o maior cliente dos Tribunais(9), mas, nem por isso, justifica-se o enfraquecimento do princípio da legalidade, para dar espaço à aplicação obrigatória de súmulas vinculantes.

Dados fornecidos pelo próprio Supremo Tribunal Federal revelam que foram recebidos, entre 1991 e 1998, 223.717 processos, dos quais 91,97% correspondem a recursos extraordinários ou agravos. Desses, 25,28% são ajuizados pela União, 19,85%, pelo INSS, 9,43%, pelo Estado de São Paulo, 4,84%, pela Caixa Econômica Federal, e 2,52%, pelo Banco do Brasil, o que significa que o Governo Federal é responsável por 52,49%(10) dos recursos.

A edição de súmula vinculante pode contribuir, sim, para a redução do número de processos repetidos que tramitam nos Tribunais Superiores, contudo, abre precedente perigosíssimo, pois fere cláusulas pétreas da Constituição e enseja o enfraquecimento dos Poderes Legislativo e Judiciário, no Estado Democrático de Direito. Se aprovada no Plenário do Senado Federal, da forma como se encontra, representará grave ofensa a cláusulas pétreas da Constituição, o que é vedado, em se tratando de emenda constitucional a ser aprovada pelo constituinte derivado. Lembre-se que quando da Constituinte de 1988 já não se conseguiu inserir a súmula vinculante.

Com muita pertinência, entidades de classe, especialmente da Magistratura e OAB, com apoio de entidades do Ministério Público, têm marcado posições fortemente contrárias à adoção da súmula vinculante. Foi importantíssimo o movimento feito pelas entidades, que afastou um parágrafo da PEC 96/92, quando tramitava na Câmara dos Deputados, prevendo que “o reiterado descumprimento de súmula com efeito vinculante ou a desobediência às decisões de que tratam o parágrafo anterior e o § 2.º do artigo 106, configurará crime de responsabilidade para o agente político e acarretará a perda do cargo para o agente da Administração, sem prejuízo de outras sanções”(11).

Impressiona o grau de imperatividade que o legislador pretendeu dar ao cumprimento das súmulas vinculantes por parte dos agentes políticos ? notadamente os magistrados – e dos funcionários públicos da Administração.

Os Senadores, que exercem o papel de constituintes derivados, sofrem limitações expressas de caráter material no poder de legislar, eis que, consoante dispõe o artigo 60, § 4.º da Constituição Federal, não pode ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I ? a forma federativa do Estado;

II ? o voto direto, secreto, universal e periódico;

III ? a separação dos Poderes;

IV ? os direitos e garantias constitucionais;

No que tange à aprovação da súmula vinculante com a redação atual, estamos diante de ofensa a duas cláusulas pétreas da Constituição ? a que trata da separação dos Poderes e a da forma federativa do Estado.

Uma, no que tange à violação do princípio da separação dos Poderes, porque o Poder Legislativo – que já sofre com insistentes ingerências do Poder Executivo em razão de medidas provisórias(12) – estaria agora a delegar amplos poderes ao Poder Judiciário, através dos onze Ministros do Supremo Tribunal Federal(13), para editar “súmulas vinculantes” com verdadeira força de lei. Tal delegação é vedada, eis que os legisladores, eleitos pela vontade do povo, é que devem editar as leis.

Outra, porque estaria havendo um processo de enfraquecimento da forma federativa do Estado, com quebra da autonomia política do Poder Judiciário de 1.ª e 2.ª instâncias, com ingerência interna da cúpula do próprio Poder, e ainda, em especial, quebra do princípio da independência dos Juízes, que até então têm cumprindo importante papel no Estado Democrático de Direito, de assegurar direitos individuais e coletivos, moldando a interpretação da lei em cada caso concreto; e que, doravante, estariam sujeitos à cassação de suas decisões judiciais que contrariassem a súmula (e não mais a lei ? em detrimento do princípio da legalidade), em razão de reclamação julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal.

A aplicação do Direito estará engessada, a desmotivar por completo a ação dos Advogados, Promotores e Juízes, enfim, de todos os operadores do Direito, que passará a ser uma ciência quase que exata, circunscrita à vontade imperativa dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. O advogado protocola a ação, o escrivão certifica que já existe súmula vinculante a respeito e o Juiz determina “aplique-se a súmula vinculante”.

O histórico recente das várias Reclamações protocolizadas no Supremo Tribunal Federal – e as principais ainda não julgadas – que tentam limitar o alcance da lei de improbidade para agentes políticos nos fazem refletir seriamente sobre os efeitos da súmula vinculante como forma de “moldar” o pensamento jurídico. Dentre as Reclamações, a ajuizada pela AGU em favor do ex-Ministro Ronaldo Sardenberg e outras (Reclamações n.ºs 2138-6, 2173-4, 2174-2, 2186-6, 2187-4, 2191-2, 2207-2, 2208-1 e 2215).

O Ministério Público é uma instituição que precisa de um Poder Judiciário forte e independente para dar guarida aos interesses coletivos e ao combate à criminalidade organizada. E como bem alertou o jornalista Josias de Souza, na Folha de São Paulo de 30 de maio de 2004, o próprio “Futuro do combate à corrupção passa pelo STF”.

Revela o conceituado articulista uma causa que tramita no STF, em silêncio, referente a suspeitas de fraude contra o INSS envolvendo um deputado federal licenciado do Maranhão, Remi Trinta (PL-MA), que era sócio da Clínica Santa Luzia, investigada pelo Ministério Público Federal por fraude ao SUS. “O processo menciona cobranças irregulares ? de exames inexistentes a aborto em pessoa do sexo masculino. Só em 95 o prejuízo ao INSS era de R$ 700 mil”. A defesa nega responsabilidade pelos ilícitos e sustenta que o caso deve ser arquivado, porque se baseia em investigações recolhidas pelo Ministério Público. Iniciado o julgamento pelo Plenário do STF, o relator, Ministro Marco Aurélio de Melo, teria proferido seu voto anotando que “está convencido de que o inquérito criminal há de ser feito não pelo Ministério Público, mas pela Polícia”. O julgamento pelo Pleno do STF foi suspenso pelo pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa. Antes do pedido de vista, o Ministro Nelson Jobim proferiu seu voto e acompanhou o Ministro Marco Aurélio. Pelos precedentes da 2.ª Turma, é bem possível que os Ministros Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Velloso façam o mesmo.

Lembrando casos como Collorgate, PC Farias, João “Anão do Orçamento” Alves, Jader “Sudam” Barbalho, Paulo “US 200 milhões” Maluf, João “Sentenças Micadas” da Rocha Matos, Rodrigo “Dólares na Suíça” Silverinha, Nicolau “TRT” dos Santos Neto, e uma série de outras investigações, às quais acrescento ainda a da CPI do Banestado, o jornalista conclui com muito acerto: “operações recentes têm demonstrado a eficiência da parceria entre polícia e Ministério Público no combate aos atentados contra as arcas públicas. Aleijar procuradores numa hora dessas é coisa que não faz sentido”.

Nesta linha de pensamento, é possível concluir que a súmula vinculante, a par da inconstitucionalidade, pode trazer efeitos extremamente negativos para o interesse público, caracterizando verdadeiro retrocesso histórico às instâncias do Poder Judiciário e ao relevante papel que desempenha o Poder Legislativo neste País.

Este momento não pode passar em branco.

No dia 26 de maio, o Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, fez ? ato público contra a súmula vinculante ? recebendo nota de apoio do Presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Dr. Cláudio Baldino Maciel, que, ao aplaudir a manifestação, destacou a “vivacidade com que a sociedade organizada protesta contra todo e qualquer instituto que ameace a liberdade de ação do Poder Judiciário, sobretudo da capacidade criativa dos profissionais do Direito na garantia do pleno direito de defesa”.

É fundamental, sim, endossar todo o apoio necessário à aprovação em Plenário, no Senado Federal, nos próximos dias, da EMENDA MODIFICATIVA proposta pela AMB, denominada SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO ? no lugar da súmula vinculante, que tem o seguinte teor:

“Dê-se a seguinte redação ao art.103-A, constante do artigo 18 da PEC 29/2000:

Art.103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá aprovar súmula, de ofício ou por provocação, mediante decisão fundamentada de quatro quintos dos membros de seu Plenário, após reiteradas decisões sobre a matéria e declarar que seus enunciados, a partir da publicação, constituir-se-ão em impedimento à interposição de quaisquer recursos contra decisão que a houver aplicado”.

Ou seja, pela proposta, somente será objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal os julgados que contrariarem a aplicação da Súmula, o que não significa que os Magistrados estão obrigados a aplicar a súmula como se fosse lei.

Esta proposta de emenda é muito mais vantajosa que a da súmula vinculante, pois minimiza significativamente o número de recursos repetitivos nos Tribunais Superiores, elimina os vícios de inconstitucionalidade, evita centenas de Reclamações que chegariam ao STF, pois o impedimento na remessa dos recursos aconteceria no próprio tribunal de origem, com a vantagem de não impedir que julgamentos que contrariem o enunciado da súmula cheguem até a Suprema Corte, com fundamentos que podem eventualmente ensejar a revisão da matéria sumulada.

Assim, estaria preservada a competência do Poder Legislativo de editar leis e a autonomia do Poder Judiciário em todas as suas instâncias, inclusive o princípio da independência dos Magistrados de 1.ª e 2.ª graus de jurisdição.

É importante o alerta e a mobilização com o fito de endossar a luta pela não aprovação da súmula vinculante no Plenário do Senado Federal, nos próximos dias, contando com a sensibilidade do meio político ? Senadores da República -, em favor da emenda encampada pela Associação dos Magistrados do Brasil, evitando que no futuro, a matéria tenha que seja questionada por ADIn.

Para resolver as grandes questões de cunho sócio-econômico e estrutural que afligem o Poder Judiciário e a população como sua legítima destinatária, não basta a Reforma do Poder Judiciário. É imprescindível a adoção de uma série de outras medidas – e que virão a seu tempo. Dentre elas, a reformulação da legislação processual civil e penal; a alteração e sistematização do Código Penal e leis penais; a revisão da Lei de Execução Penal; adequação de dispositivos do Código Civil; a limitação do número de recursos com efeito suspensivo(14) e recursos de ofício; a simplificação do processo de execução de forma a agilizá-lo; a ampliação de poderes à Procuradoria-Geral da Fazenda e à Advocacia Geral da União, permitindo que façam acordos e não recorram de matérias cujo entendimento já esteja consolidado nos Tribunais Superiores(15), vez que, o Advogado Geral da União tem poderes para “editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência iterativa dos Tribunais”(16); e ainda, ampliar a atuação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, dando-lhes estrutura adequada de funcionamento(17), como forma de se atingir celeridade.

E ainda: incentivar alternativas externas, como o Juizado arbitral, para desafogar o Poder Judiciário, que não deve ser o único meio buscado para solucionar litígios(18), pois, no futuro, a tendência do Judiciário será de ampliar a tutela de interesses coletivos. A implementação urgente das Defensorias Públicas e a revisão das custas processuais também se fazem necessárias para facilitar o acesso da população à Justiça.

Para encerrar, é sempre bom lembrar que o Partido dos Trabalhadores, que hoje concentra o Poder, através da Bancada do Partido na Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisou a PEC 96, em novembro de 1999, manifestou seu posicionamento por meio de voto em separado, destacando que “a instituição da súmula com efeito vinculante constitui-se em instrumento de controle ideológico e de estratificação do processo criador do direito, que afronta os princípios e regramentos constitucionais”, ressaltando a inconstitucionalidade da súmula por violar cláusulas pétreas, valendo-se dos ensinamentos de Dalmo de Abreu Dallari(19) e de Evandro Lins e Silva(20) (conforme registrado no Diário da Câmara dos Deputados ? Volume II ? Ano LIX ? Suplemento ao n.º 209 ? Terça-feira, 14 de dezembro de 1999 ? Brasília ? p. 1050 a 1.099).

A “previsibilidade não oscilante” das decisões do Poder Judiciário, que tanto interessa ao poder econômico e aos investidores externos, não pode falar mais alto que a independência dos Julgadores num Estado Democrático de Direito. O comprometimento com a dívida pública e com imposições de política cambial e monetária não pode arranhar a esperança que depositamos no Poder Judiciário.

No momento, o se espera é a não aprovação da súmula vinculante, mas da súmula restritiva de recurso, apresentada pela Associação dos Magistrados do Brasil, sob pena de violento retrocesso histórico que nos lembra a ditadura. Acreditamos nos Senadores da República e na postura coerente do PT, cuja bancada no Plenário da Câmara em 1999, posicionou-se pela não aprovação da súmula vinculante. Como lembra Zaffaroni: “Um Judiciário verticalmente militarizado é tão aberrante e perigoso quanto um exército horizontalizado(21)”.

Maria Tereza Uille Gomes

é promotora de Justiça em Curitiba, ex-procuradora-geral de Justiça do Estado do Paraná, em palestra proferida em 1.º de junho de 2004, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Teatro Leopoldo Scherner), durante a Semana Acadêmica do Curso de Direito “Campus” São José dos Pinhais, no Painel ? ” A Reforma do Poder Judiciário: controle externo e súmulas vinculantes”.

Notas

(1) A curva da taxa de crescimento da população, nos últimos 20 anos, entre 1980 e 2000 é decrescente, segundo dados do IBGE ? Anuário Estatístico – mas mesmo assim, a população passou de 118,5 milhões para 166,1 milhões de habitantes, ou seja, surgiu no Brasil, uma população superior à soma das populações da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. A população de Curitiba, pulou de 180,5 mil habitantes em 1950, para 1,4 milhão em 2000, ou seja, uma variação da ordem de 718%.

(2) O endividamento público inviabiliza o desenvolvimento econômico e social do País. O comprometimento para pagamento da dívida externa, dificulta a retomada do crescimento econômico, o aumento do número de empregos e a diminuição da miséria. A dívida interna supera 891 bilhões de reais. De janeiro a agosto de 2003, a dívida gerou 102,4 bilhões de reais de juros (fonte www.dividapublica.ubbi.com.br). A de empregos. O número de desempregados subiu 8,5% (fonte: Folha de São Paulo 26.05.2004);

renda voltou a cair e o desemprego bateu recorde em abril de 2004, atingindo 13,1% da população economicamente ativa, a mais alta desde outubro de 2001, quando o IBGE começou a nova Pesquisa Mensal de empregos. O número de desempregados subiu 8,5% (fonte: Folha de São Paulo, 26.05.2004). O PIB cresce, mas os recursos são utilizados para pagamento da dívida pública com pouco investimento interno em políticas públicas ou sociais. Os planos econômicos ao longo dos anos, muitas vezes desrespeitam os direitos do cidadão e fazem crescer as ações em tramite no Poder Judiciário.

(3) O Poder Público é um dos grandes clientes do Judiciário, e que muitas vezes, se vale de recursos meramente protelatórios. O reexame necessário enseja uma avalanche de recursos que poderiam ser limitados;

(4) A Defensoria Pública desestruturada na maioria dos Estados e o valor elevado das custas Judiciais, são causas que dificultam o acesso da população a Justiça;

(5) A Lei de Responsabilidade Fiscal, impôs uma série de restrições orçamentárias, que dificultam o aparelhamento e a estrutura necessária ao Poder Judiciário. Existem cargos de Juízes que não são providos, é necessário ampliar o quadro de assessores, a estrutura cartorária é deficiente, o número de Oficiais de Justiça não atende a necessidade real, dentre outros. No Paraná, a estrutura judiciária, principalmente na 1.ª instância, não sofria ampliação desde a Lei 7297, de 08.01.1980 e somente em 2004 é que foi aprovado o novo Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado.

(6) São legitimados: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF, o Governador do Estado ou do DF, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

(7) Direito alemão, italiano, francês, espanhol e português.

(8) Caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal.

(9) Exs: contribuição previdenciária dos inativos, empréstimos compulsórios sobre combustíveis, incidência de índices de correção monetária sobre saldos de financiamentos habitacionais; reconhecimento de índices expurgados dos depósitos de FGTS em razão de planos econômicos;

(10) fonte: Assessoria Jurídica, STF, em 3.IV.99.

(11) “O que agrada ao príncipe tem força de lei” ? Aforismo de Ulpiano-

(12) Medidas provisórias que nem sempre são timbradas pela relevância e urgência e que pela sistemática atual, podem trancar a pauta de votações, fazendo com que o Congresso Nacional fique paralisado, à mercê do que é considerado prioritário para o Presidente da República e que nem sempre retrata o interesse público.

(13) Escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal ? art. 101 e parágrafo únicos da CF.

(14) O artigo 893, parágrafo 1.º da CLT, dá celeridade ao procedimento, eis que o mérito das decisões interlocutórias, somente serão apreciados em recursos da decisão definitiva.

(15) Nos últimos anos em que tramitava a Reforma do Poder Judiciário no Congresso Nacional, surgiram inúmeros avanços legislativos. Ex: normas remissivas de créditos de pequeno valor ? Lei 9441/97, Lei 9469/97, Portaria MF 289/97, Decreto 2346/97, Súmula 04/2000 da AGU que autoriza os Advogados da União a deixarem de recorrer ou desistirem de recursos já opostos contra decisões judiciais que reconheçam a aplicação dos 28,86% de reajuste aos vencimentos dos funcionários públicos.

(16) Lei Complementar n.º 73, de 10.02.73, art. 4.º, XII;

(17) A instituição dos Juizados Especiais, através da Lei 9099/99 e 10259/01, representaram significativo avanço para desafogar os serviços do Poder Judiciário e dar celeridade a resposta jurisdicional de forma consensuada e com a participação de conciliadores. É necessário, entretanto, melhorar a estrutura de funcionamento e ampliar o rol de situações que possam sem atendidas pelos Juizados, tanto na esfera cível quanto criminal.

(18) Ex. juízo arbitral.

(19) “As minorias dos tribunais, se não concordassem com a maioria, que estabeleceu a súmula, seriam rebeldes, teriam de calar-se, não poderiam mais lutar pela defesa de suas posições?”.

(20) “Um juiz que não pode decidir de acordo com seu livre convencimento, já não age como juiz, não importando se a coação vem de fora ou se ela vem do próprio Judiciário” (in O Poder dos Juízes, São Paulo, Editora Saraiva, 1996, p.63/64).

(21) Poder Judiciário ? Crise, acertos e desacertos.

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