Reforma do CPP, Prisão e Garantia Judiciária

Dentre o pacote de propostas para a reforma do Processo Penal inclui-se a reformulação da fase investigatória. Frise-se que no Brasil a fase investigatória é eminentemente inquisitiva, atribuindo-se a autoridade policial poderes, só limitados em face da autoridade da Constituição da República.

Acusado de ser a principal causa do retardo na prestação jurisdicional penal, o inquérito policial, senta-se definitivamente no banco dos réus.

A mudança proposta insere o Ministério Público não só com o dominus da ação penal, o que hoje, em face da Constituição da República reformada, já é realidade, mas com amplo poder de controle nos atos de inquérito, o que aumenta significativamente a seletividade nesta fase.

Vale dizer: cria uma vinculação direta entre a instauração do inquérito e o Ministério Público, podendo este dispor da investigação policial, seja para a sua instauração, seja para a sua não instauração, observados os sempre necessários mecanismos de vigilância quanto a atuação do órgão: recursos hierárquicos, atuação das partes de forma subsidiária.

Aproxima-se, assim, o parquet brasileiro do modelo Europeu de Processo Penal, onde – em Portugal, por exemplo – este Órgão detém uma proximidade/dependência funcional – mas não orgânica – com os mecanismos de Segurança Pública, mormente a Polícia Judiciária.

É inegável a relação tensa existente entre os órgãos de polícia judiciária e o Ministério Público. Significa dizer que, muitas das vezes, havendo interesse direto do órgão ministerial na investigação, poderão haver sérios conflitos entre ambos os intervenientes. Tais situações só serão “aparadas” com o chamamento do juiz no caso, que decidirá.

Justamente por este fato, há uma aproximação – quase incestuosa – do órgão oficial de persecução criminal para com a Polícia Militar. As causas são muitas, inclusive a apontada anteriormente, mas a principal talvez seja a possibilidade de o Ministério Público proceder às investigações motu proprio, sem os inconvenientes causados pela autoridade policial, que avocará para si os desígnios constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal tem entendido pela impossibilidade de o Ministério Público proceder as investigações da fase pré judicial, inquisitória, sendo atribuição Constitucional exclusiva estendida às Polícias Civis, sejam elas Estaduais ou Federal.

Entende-se que a Suprema Corte, de cunho eminentemente Constitucional, age de forma correta. É que, ad argumentando tantum, ao proceder de outra maneira, tumultuar-se-ia as regras de Convivência Democrática entre as instituições constituídas pela vontade popular. Ou a Constituição se tornará uma “mera folha de papel” (LASSALLE).

A máxima “suportas a lei que criaste” é pontual neste contexto.

Mas, transpondo a questão, sinalizando com proposta de densidade – ainda que sua regulamentação formal seja de lege ferenda, mas que poderia ser adotada imediatamente – concreta e longe de uma sonolência dogmática (KANT):

por que não adotar a sistemática de apresentar o autuado em flagrante delito ou presos por mandado ao Juiz e/ou ao Promotor do plantão judiciário?

As vantagens seriam inúmeras. A primeira e evidente, seria promoção dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana, vez que, no ato de maior penetração do Direito – a prisão – ter-se-ia à frente do preso um Juiz de Garantias, acompanhado do Ministério Público, creditando ou não do trabalho policial. Segundo, por uma via transversa, se evitaria de tornar todo o trabalho policial objeto de desconfiança. Terceiro, não se feriria o princípio da inquisitoriedade, uma vez que se trata de uma atitude emancipatória, de valorização da pessoa e não de abertura do inquérito ao contraditório.

Se mesmo assim houver insistência de previsão legal para tanto, invoca-se a Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989 – dispõe sobre a prisão temporária – em seu artigo 5º, que determina: “Em todas as comarcas e seções judiciárias haverá um plantão permanente de 24 (vinte e quatro) horas do Poder Judiciário e do Ministério Público para apreciação dos pedidos de prisão temporária.”

Ora, não seria por falta de mecanismo legal para que tal atividade pudesse ser instituída. Aliás, a própria Constituição da República, no seu artigo 5.º, sinaliza com diversas possibilidades, veja o inciso LXV, indica que: ” a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”; ou ainda o inciso LXII: “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.” Outras hipóteses também podem ser sacadas da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente – principalmente no artigo 107: “A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.”

A angústia e o tormento psíquico (CARNELUTTI) que o Processo Penal causa àqueles presos miseráveis – estendendo-se a todos os seus familiares dor na mesma intensidade – inclui-se o inquérito policial, por tratar-se integrante do sistema judiciário. Mas não pode ele – o inquérito – servir de objeto de expiação e pesar somente sobre ele, num juízo a priori, toda a culpa em torno da morosidade da Justiça Criminal.

Há nítida co-participação de todos os intervenientes – inclusive os advogados – na formação da calda grossa da morosidade (para os virtuosos) e da impunidade para os merecedores de sanção, por tantas vezes já referidas por CAPPELLETTI.

As reflexões devem partir de premissas, como as estabelecidas por ZIPPELIUS, quando vê esgotadas e saturadas as discussões em torno dos ideais de igualdade e de liberdade. Falta e muito, incluir no discurso jurídico, mecanismos de hermenêutica baseados, fundamentalmente, na fraternidade.

Talvez, seguindo as advertências do mestre alemão, se caminhará em direção a um Processo Penal mais humano, garantidor dos direitos fundamentais e, porque não, mais fraterno, no mesmo ideal que fez Tomaso CAMPANELLA acreditar na Cidade do Sol, que seria “habitada por filósofos que resolvem viver filosoficamente em comum”(BOBBIO).

Sérgio Inácio Sirino

é delegado de polícia de carreira, pós-graduado em Direito pela UFPR e mestrando, em Ciências Jurídico-Criminais, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo