Reforma do Código de Processo Civil

O ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, do STJ, participou de um encontro com especialistas em direito processual civil de várias cidades do Brasil, com o objetivo de discutir anteprojetos para reforma do Código de Processo Civil, elaborado pelo ministro aposentado do STJ, Athos Gusmão Carneiro. “Em seqüência aos objetivos de aprimorar a legislação processual civil brasileira, para dar-lhe mais efetividade, realizando o princípio do acesso à Justiça, a Comissão coordenada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual e pela Escola Nacional de Magistratura, está debatendo e colhendo sugestões e críticas para a elaboração de novas propostas para encaminhar ao governo”, afirmou Sálvio de Figueiredo.

O ministro lembrou que, anteriormente, realizaram-se duas etapas para a reforma do CPC. Na primeira etapa foram aprovadas dez leis e na segunda, foram aprovadas três leis. O encontro dos processualistas, em Brasília, baseia-se na discussão de dois novos anteprojetos: um que visa à eliminação do processo de execução fundado em títulos judiciais e outro, para aprimorar o sistema de execução fundado em títulos executivos extrajudiciais. “A comunidade civil brasileira realiza mais uma etapa em seus propósitos de contribuir para o aperfeiçoamento do nosso sistema jurídico, que veste um modelo ultrapassado, sem criatividade e sem atenção às legítimas aspirações e necessidade da sociedade brasileira”, ressalto.

Segundo Sálvio de Figueiredo, dos dois anteprojetos que hora estão em formulação, o mais importante é o que busca eliminar o processo de execução fundado em sentença ou acórdão. “O que é importante ressaltar é a busca de uma inovação revolucionária no Processo Civil Brasileiro. Por esse projeto, quando se tratar de sentença ou acórdão, haverá simples cumprimento da decisão e não como ocorre atualmente, por exemplo, quando após a decisão judicial a parte vencedora tem que voltar a juízo para promover um novo processo, denominado processo de execução, com todas as suas formalidades e conhecida lentidão”, destacou.

Paralelamente a esse encontro de especialistas, está acontecendo o seminário “A Nova Reforma do Código de Processo Civil”. O evento tem o objetivo de analisar as três recentes leis aprovadas, relativas à 2.ª etapa da Reforma e conta com a participação dos próprios autores dos anteprojetos.

Wambier é destaque

O professor. doutor Luiz Rodrigues Wambier, mestre (UEL) e doutor (PUCSP) em Direito, em reunião extraordinária do Instituto Brasileiro de Direito Processual, nos dias 26 e 27 do corrente, em Brasília, apresentou proposta de reforma do Código de Processo Civil. Destacamos, nesta coluna, a proposta quanto à impenhorabilidade dos bens que guarnecem o imóvel de residência da família, tema dos mais polêmicos e tormentosos a abarrotar os Tribunais. Wambier é, sem generosidade, um nome singular no cenário jurídico nacional e internacional, representando a cultura jurídica paranaense com o brilho e profundidade que orgulham a todos àqueles que se dedicam à pesquisa e ao ensino, em especial a Região dos Campos Gerais.

A proposta de Wambier

Art. 649, II

Conforme destacamos, com CORREIA DE ALMEIDA e TALAMINI, há profunda controvérsia quanto a que espécies de bens estariam excluídos da impenhorabilidade.

Em outro espaço já sustentamos nossa opinião quanto à extensão que se deva dar ao conceito de imóvel de residência da família(1).

O recomendável é que se lance mão, para definir que bens serão penhoráveis, de critério que leve em conta exclusivamente sua condição de bens essenciais “a regular utilização de uma casa“(2).

Mesmo assim, isto é, partindo-se da premissa de que ficam excluídos da possibilidade de ser penhorados apenas bens úteis e necessários a esse uso regular da residência, há acórdãos (tanto dos Tribunais estaduais [e distrital] quanto do STJ, que levam em conta diferentes padrões para definir tais parâmetros.

Entendemos que é possível definirem-se os limites da impenhorabilidade levando-se em conta a média nacional de conforto(3). Essa média pode ser aferida de acordo com índices do IBGE(4), observados com base em critérios técnicos altamente respeitados. Se assim não se proceder, estar-se-ão deixando fora da possibilidade de incidência da penhora, bens que para a maioria da população são suntuosos, no sentido de serem absolutamente desnecessários para a manutenção da dignidade da pessoa humana e afastados do critério da essencialidade para o funcionamento regular de uma casa(5).

Trata-se, segundo pensamos, de critério que se deveria adotar, justamente para evitarem-se decisões tão díspares como as que têm sido proferidas em nossos Tribunais acerca da impenhorabilidade. Há decisões que consideram impenhoráveis bens que, para a maioria da população, seriam certamente tidos como “luxo” (aparelhos de DVD, por exemplo).

Na opinião de Márcio OLIVEIRA PUGGINA(6) o legislador procurou, com a edição dessa norma, retirar do campo da penhorabilidade bens necessários para garantir ao devedor e sua família condições dignas de vida, permitindo que se mantenha a fruição de bens que, mesmo não sendo indispensáveis à sobrevivência do ser humano, já estejam “incorporados ao uso generalizado da vida da sociedade”.

Em nosso entender a manutenção do padrão de vida pessoal do devedor é critério absolutamente equivocado para nortear o regramento sobre a impenhorabilidade, pois, como é sabido, é crescente e constante, especialmente nas classes média e alta, a pressão exercida pelos meios de comunicação, que, lançando mão da técnica publicitária das necessidades criadas faz com que se incorporem ao sentimento de bem-estar do ser humano sempre mais e mais bens.

A adoção de padrão único, segundo um critério objetivo, como o que é aqui proposto (a partir da média nacional de conforto, adotada segundo dados coletados pelo IBGE), parece-nos mais arrazoada, na medida em que permite a todos a manutenção de padrão médio de dignidade. Do contrário, estar-se-á, mais uma vez, privilegiando os já privilegiados e incentivando o “calote”.

De fato, haverá privilégios na medida em que determinadas camadas da população tenham acesso a mais e mais bens de consumo destinados ao conforto na casa de moradia, e em que esses “novos” bens fiquem incorporados a seu estilo de vida e, portanto, afastados da incidência da responsabilidade patrimonial.

Do contrário, se apenas determinada parcela de bens for considerada como compondo a média nacional de conforto da residência do devedor (como express ão da dignidade humana), estar-se-á deixando livre o terreno para a incidência da penhora sobre outros bens que, apesar de úteis, interessantes ou representativos de outro status sócio-econômico, não compõ em o quadro médio de necessidades para regular utilização da casa de moradia.

Perceba-se que, com a adoção deste critério, ficam fora da possibilidade de incidência da penhora bens que guarnecem a casa de mais de 50% dos brasileiros. Não estamos, portanto, propondo um patamar mínimo, mas, isto sim, um quadro médio, verificado tecnicamente por meio dos levantamentos do IBGE. Nem se trata de anular os avanços econômicos da parcela da sociedade que tem acesso a bens de consumo durável mais sofisticados ou modernos, nem se propõe “nivelar por baixo”, isto é, estabelecer-se a possibilidade de incidência de penhora sobre bens que se encontrem em patamar logo acima do padrão mínimo de conforto da população.

A adoção do mecanismo de interpretação da regra da impenhorabilidade ora proposto, pode proporcionar condições a que, no inexorável conflito de valores (direito à moradia [com os bens que guarnecem a residência] versus direito à efetiva tutela executiva) promova-se a execução equilibrada, tendo com ponto de partida critério absolutamente objetivo, que leva em conta a média de conforto nacional.

Notas

(1) Hipóteses peculiares de aplicação da Lei 8.009/90, no Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família ? aspectos constitucionais, civis e processuais, vol. 2, Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier, Ed. RT, 1995.

(2) Curso avançado de processo civil

, vol. 2, 3.ª ed., p. 109.

(3) Expressão que cunhamos e que entendemos possa ser útil para a fixação de tais parâmetros. Em seguida explicaremos o que se deve entender por média nacional de conforto.

(4) O IBGE publica a cada dois anos importante pesquisa a respeito dos PADRÕES DE VIDA da população urbana brasileira. Há índices interessantes. Na pesquisa de 1996/1997, constatou-se que 94,5% dos domicílios urbanos brasileiros eram dotados de fogão, enquanto que 26,9 possuíam videocassete, e apenas 3,9% possuíam lava-louças.

(5) Dissemos que deve o juiz levar em conta as peculiaridades do caso concreto, tratando, evidentemente, de situações marcadamente excepcionais e que, portanto, exigem a correspondente excepcionalidade de tratamento. Veja-se, por exemplo, a hipótese de penhora de um piano que sirva para a atividade profissional do executado. Evidentemente, não porque se trate de objeto que componha a essencialidade do funcionamento da casa, mas porque se trate de bem necessário ao 0exercício de profissão (CPC, art. 649, VI), tal bem não estará sujeito a sofrer a penhora. A impenhorabilidade desse bem terá fundamento diverso daquele amparado pela Lei 8.009/90.

(6) A impenhorabilidade da Lei 8.009, Ajuris, n.º 53, p. 273.

J. S. Fagundes Cunha

é juiz de Direito, doutor em Direito pela UFPR e coordenador da Faculdade de Direito dos Campos Gerais.

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