Cristine Osternack Costa

Reflexões sobre o Promotor investigador e perspectivas de reforma do Processo Penal

Cotejando-se a dignidade da pessoa humana como premissa central do sistema jurídico de cunho democrático e considerando-se o fracasso do inquérito policial, não há dúvidas sobre a tendência das legislações contemporâneas em atribuir ao Ministério Público a titularidade da investigação preliminar.

As tendências nas reformas processuais recentes miram estreitamento de laços com o sistema acusatório, o qual garante, em tese, maior proteção aos direitos humanos.

Contudo, observamos que, na prática, muito mais importante do que definir quem possui legitimidade para dirigir a investigação preliminar (Ministério Público, Juiz de Instrução ou Polícia Judiciária), é definir como ela será realizada.

Isto significa esclarecer quem cumprirá as diligências, qual estrutura será utilizada, quais institutos serão mantidos, dentre outros questionamentos. Para isso, é mister firmar uma convicção: o juiz deve se manter afastado da investigação, interferindo apenas quando provocado para decretar as medidas cautelares, a fim de cumprir sua função de julgar imparcialmente, sem anterior contaminação probatória.

Cumpre destacar que o princípio da legalidade, inerente ao Estado Democrático de Direito, projeta um sistema de controle das atividades públicas pelo chamado controle externo, que deve ser concretizado sem agressão à autonomia do órgão controlado, ou seja, com independência funcional e hierárquica, e é isto que se busca entre o Ministério Público e a Policia Judiciária, evitando-se qualquer excesso de poder.

Nesta linha, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em 10 de março do presente ano, decidiu pela legitimidade do parquet para investigar ao afirmar que “é perfeitamente possível que órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e materialidade de determinado delito.” (STF HC 91.661-9/PE 2.ª Turma Relatora: Min. Ellen Gracie, DJU 2/4/2009).

E esclareceu, na sequência, que “tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (art. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti.”

Desta forma, tem-se que o parquet possui, sim, legitimidade para investigar, porém, seu poder investigatório deve ser paralelo ao da Polícia Judiciária. Em contrapartida, a realidade mostra que as alterações legislativas acerca da investigação preliminar brasileira são necessárias, ainda que muitos doutrinadores já considerem as leis em vigor suficientes para determinar o controle externo da polícia pelo Ministério Público.

Tais modificações devem estender a abrangência do princípio do devido processo legal e seus consectários da ampla defesa e do contraditório aos textos infraconstitucionais, a fim de prever uma pretensão acusatória que garanta a igualdade entre as partes e afaste a inquisitoriedade ainda presente no inquérito policial.

A finalidade do Promotor investigador é a eficácia dos atos da investigação, uma vez que, dentre outros objetivos da reforma, procura-se combater o anseio social contra a corrupção e as formas contemporâneas de criminalidade.

Através da independência política do Ministério Público, essencial para a boa realização da Justiça, amplia-se a garantia de busca da verdade real, pois se evita o corporativismo, haja vista que um órgão pode investigar o outro independentemente de prerrogativas.

Mais uma vez, cabe ressaltar a decisão do Supremo, uma vez que o caso trata justamente da investigação de delitos praticados porpoliciais, o que, na opinião da excelentíssima Ministra relatora, justifica a colheita de provas pelo Ministério Público.

Para ajudar a compreender a reforma, o Direito Comparado explana a evolução dos institutos jurídicos, analisando os ordenamentos que já utilizam o modelo do Promotor investigador.

Por meio dele, percebe-se que a investigação preliminar a cargo do Ministério Público é a que mais se aproxima do modelo acusatório, pois considera o parquet parte efetiva, admitindo desde o inicio da investigação o direito ao contraditório. Todavia, é importante salientar que devem também ser previstos mecanismos de controle para a atuação ministerial.

A propósito, vale lembrar os deslizes cometidos pelo Ministério Público italiano, o qual, abusando de seus poderes investigatórios, na última década do Século XX, transformou a chamada operação mãos limpas naquilo que a opinião pública chamou de operação algemas fáceis, por desrespeitar direitos de liberdade dos cidadãos.

Ainda, cumpre informar que, na prática, estatísticas mostram que, nos países cuja legitimidade de investigação é do parquet, os agentes policiais é que de fato a realizam, restando aos promotores apenas mera ciência final como ocorrente, por exemplo na Alemanha (cf. AURY LOPES JÚNIOR, citando TERESA ARMENTA DEU).

Síntese de trabalho apresentado no Grupo de Pesquisas nominado Mundialização do Capital e Dignidade da Pessoa Humana: investigação e processo nos crimes contra a ordem econômica, sob orientação do Prof. Dr. Luiz Antonio Câmara no curso de Direito do Unicuritiba.

Cristine Osternack Costa é bacharel em Direito pelo Unicuritiba (2009). Mestranda em Direito da Universidade Clássica de Lisboa.

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