Depois das seguidas investidas do Primeiro Comando da Capital em cidades brasileiras, o Estado deu uma demonstração de força no enfrentamento do crime organizado. Ações conjuntas da polícia judiciária e das polícias militares, somadas ao esforço do Ministério Público e do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI), somente para citar organismos diretamente envolvidos no projeto, impuseram considerável recuo no poder da facção. Mais de seis centenas de contas bancárias tiveram sigilo judicialmente aberto. Por conseqüência natural, foi descoberto o caminho do dinheiro dos criminosos. Rastrearam-se impressionantes sessenta milhões de reais, pulverizados entre contas bancárias de familiares, presos e laranjas da organização. Foram identificados novos delinqüentes dentro da estrutura de poder da facção, piramidal e compartimentada. Conseguiu-se razoável isolamento das principais lideranças. Seguiram-se, também, novamente perante o Poder Judiciário, investigações e processos criminais, possibilitando a responsabilização de grande número de integrantes da organização dos presídios, inclusive por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, homicídio, dano qualificado, cárcere privado entre outros graves delitos. Resultado concreto que, antes, o Estado desorganizado não conseguia impor em absoluto. Agora, quase dois anos mais tarde dos ataques, já se vislumbra possibilidade de vitória parcial da Justiça na guerra civil que se instalou em diversos Estados da Federação, em especial em São Paulo. Obtidos os primeiros bons resultados, é tempo de redobrar a atenção no estudo do fenômeno. É necessário não se subestimá-lo ou minimizá-lo, erros comuns na antiga política de segurança pública e gestão penitenciária. Há, ainda, atuando de forma direta no fortalecimento do Primeiro Comando da Capital o problema crônico da corrupção de agentes públicos. É problema que ainda não foi minimamente enfrentado. Basta lembrar que não há nada de diferente nos criminosos dos presídios que já não seja fato consolidado em segmentos consideráveis do funcionalismo do Estado. O país da facção é o mesmo que propiciou, perante o Supremo Tribunal Federal, a instalação da ação penal do Mensalão, envolvendo conhecidos políticos brasileiros. Em bom parâmetro, é preciso pensar que na Operação Mãos Limpas, na Itália, iniciada por uma denúncia de pagamento de propina para renovação de contratos de limpeza num hospital público, foram presos cento e nove prefeitos, condenados dois juízes e um deputado. A diferença entre o nicho brasileiro de corrupção e o italiano é pequena. Está separada pela efetividade do cárcere, presente somente no modelo italiano. De fato, é preciso observar que lá a centena de corruptos foi julgada de forma real. No Brasil, o foro por prerrogativa de função, arcaico, ainda traduz modelo processual penal ultrapassado, sem pensar na própria codificação com mais de duas dezenas de recursos, utilizados sem cerimônia para desacelerar as imputações. Aqui, infelizmente ainda impera a impunidade do colarinho branco. O país da facção é o mesmo que tem viabilizado a prisão de advogados que, escondidos em prerrogativas da lei, estão, na verdade, imiscuídos nas atividades criminosas de seus próprios constituintes. O país da facção é aquele que exibe políticos corruptos na propaganda eleitoral gratuita, esquecendo-se, em nome de uma exacerbada presunção de inocência, das acusações graves que pesam contra eles em investigações ou ações penais em pleno andamento. São, todos, exemplos tristes da derrocada nacional. O Primeiro Comando da Capital, que não caberia no modelo de ressocialização penal da Europa ou dos Estados Unidos da América, é, aqui no Brasil, decorrência direta da falência do sistema penitenciário, da desvalorização do agente público e dos investimentos deficitários em saúde, educação, moradia, emprego e segurança pública desde décadas passadas. É, na mesma proporção, fruto da alimentação da corrupção que envolve, desde funcionários públicos ocupantes de cargos singelos, até presidentes de Poderes do Estado. A corrupção é, assim, elemento essencial de propagação do crime organizado. Sem ela o Estado enxerga a organização criminosa e tem condição de enfrentá-la de forma eficiente. Se é gratificante reconhecer que as instituições brasileiras, em esforço conjunto, já impuseram considerável recuo à facção dos presídios, impõe pensar, também, que o Brasil tem que acordar de vez e perceber que, para derrotar o Primeiro Comando da Capital é pressuposto necessário derrotar, também, outra facção mais entranhada na vida nacional, o Primeiro Comando da Corrupção. Esse último, ao contrário do primeiro, continua atuando com estrutura horizontal delineada e falsos dirigentes infiltrados em estratos da própria Administração Pública. É importante varrê-los definitivamente do cenário nacional. A vitória contra a corrupção, quando e se acontecer, será, sem dúvida, a supremacia definitiva do Estado sobre os criminosos dos presídios. É trabalhar para ver. A democracia agradecerá.

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José Reinaldo Guimarães Carneiro é promotor de Justiça em São Paulo, mestre em direito processual penal pela PUC/SP, professor associado da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor do livro?O Ministério Público e Suas Investigações Independentes?, da Malheiros Editores.

Rodrigo Carneiro Gomes é delegado de Polícia Federal da Diretoria de Combate ao Crime Organizado, professor da Academia Nacional de Polícia, mestrando em Direito e autor do livro ?O crime organizado na visão da Convenção de Palermo?, Editora Del Rey.

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