Reflexões sobre a Justiça, no dia da Justiça

Estamos vivenciando um dos momentos mais difíceis da história recente do País. Em meio a tantos escândalos, a queda na credibilidade das instituições parece uma conseqüência lógica. Mas como tudo na vida, a questão da Justiça como meio social igualitário tem vários ângulos observáveis. Assim, é relevante abordar alguns aspectos, que não esgotam o assunto, mas podem ajudar a repensar o caminho que queremos para o Brasil e a refletir sobre como tornar a Justiça mais efetiva para os que realmente precisam dela.

O Judiciário está mais que sobrecarregado. O volume de processos em andamento nos fóruns é assustador. Para se ter uma idéia, a Corregedoria Geral da Justiça publicou a totalização do Movimento Judiciário de Primeira Instância, referente ao mês de outubro de 2005. Os números não deixam dúvidas da gigantesca massa de dados, que circula: 14.383.027 feitos em andamento (cível, criminal, Infância, Ex. Fiscal; JECíveis e JECriminais); foram distribuídos 511.224 feitos; 131.061 audiências foram realizadas; 252.817 sentenças registradas e 66.674 precatórias cumpridas.

Em segunda instância, os números também não ficam atrás. Nos Direitos Privados, Públicos e Criminal, 45.513 processos deram entrada; 81.259 foram distribuídos e ainda existem 82.652 aguardando distribuição; 39.940 foram julgados e mais de 26 mil tiveram acórdãos publicados e registrados.

Este quadro demonstra, claramente, que a Reforma do Judiciário é necessária e passa, certamente, pela desburocratização e agilização dos trâmites processuais, seja em nível técnico, com a adoção crescente de tecnologias e a facilitação do acesso; seja em medidas efetivas de reduzir os entraves legais ao andamento dos processos, que levam anos, às vezes décadas, contribuindo para a sensação de impunidade que interpenetra a sociedade.

A situação dos precatórios também é outro sério problema que ajuda a aumentar a sensação de injustiça. Basta citar o fato de que os precatórios de ?natureza alimentar?, tidos como prioritários na ordem de pagamento, foram relegados a segundo plano, em detrimento dos precatórios de ?outras espécies?, favorecidos pela EC n.º 30 de 13/09/00.

Algumas medidas, como a criação de Juizados Especiais ou mesmo itinerantes visam diminuir, pelo menos um pouco, este número. A Súmula Vinculante, que deixamos a discussão jurídica para os especialistas, atendo-nos apenas à técnica, é, ao menos, de grande importância para reduzir o número de recursos, cuja matéria o STF Supremo Tribunal Federal já tenha formado jurisprudência, com pelo menos oitos dos 11 ministros.

Vale ressaltar que o esforço crescente do sistema judiciário brasileiro para informatizar-se não pode ser menosprezado, tão pouco. Principalmente, considerando os entraves burocráticos e ?licitatórios? existentes. De Fato, muitas iniciativas e investimentos visam tornar a Justiça mais célere, moderna, eficiente e acessível à população. Já podemos ver alguns resultados. Vários serviços cartorários já estão disponíveis na internet. A informatização já chegou a 260 comarcas no Estado de São Paulo. Em alguns fóruns, os advogados podem protocolar petições, inclusive iniciais, via web. É possível também acompanhar os processos, desta maneira.

Entretanto, é preciso expandir, integrar sistemas; implantar tecnologias eficientes de segurança, que vão desde a criptografia até a certificação digital, o que custa muito caro. O desafio é hercúleo, sabemos. Não será fácil dar uma resposta à altura do que a população espera e precisa, frente ao tamanho da lacuna que se interpõe, mas é preciso sempre ir adiante.

Como se sabe, a corrida tecnológica nas bancas de direito é bem mais antiga. Existem fábricas de software nacionais que deram os primeiros passos no desenvolvimento de tecnologias específicas para o setor, há quase 20 anos. Quando ainda reinavam as Olivettis. A tecnologia específica para os escritórios de advocacia surpreende por sua abrangência e fantástica adaptação à volatilidade da legislação brasileira; às elevações e reduções de alíquotas de imposto etc. Neste sentido, propiciam todas as funções para uma gestão eficiente. Da mesma forma, é o que se espera do judiciário.

Muito embora os advogados já estejam, há anos, vivenciando a modernidade tecnológica e as instituições jurídicas brasileiras caminhem para ela, todos concordam sobre a necessidade não apenas de discussão, mas de ação efetiva, para a do maior interessado nisto tudo: a inclusão digital da população. É importante frisar que estes entraves não se restringem ao âmbito jurídico, mas a profundas barreiras sociais, econômicas e políticas, que impedem o acesso de uma parcela significativa da sociedade à Justiça. Esta barreira tende a aumentar com o crescimento do uso da tecnologia e políticas inclusivas precisam ser pensadas e implementadas rapidamente para que se garanta, por completo, o estado de direito indistintamente.

Obviamente, faltam investimentos ostensivos na real inclusão digital. É terrível pensar em como a informatização pode, ao mesmo tempo, democratizar o acesso às instituições, por um lado, como, de outro, ser um entrave para os excluídos digitais. Esta exclusão, apesar de tão comentada, é um fato assustador que não terá uma solução verdadeira, a menos que algo efetivo seja feito por todos os setores da sociedade. E o que mais podemos entender por Justiça senão democratizar o acesso, a todos, aos direitos básicos necessários à vida e, também, à Justiça? Ora, é óbvio que uma larga parcela da população não tem e não terá este acesso, sem o patrocínio e o empenho do Governo e das corporações. Se este acesso não for democratizado, vamos nos defrontar, em breve, com um futuro com distorções sociais ainda maiores do que as que vemos, hoje. Podemos vislumbrar algo como o filme ?Blade Runner? de excluídos e desvalidos, vivendo na escuridão dos que não servem à sociedade. E o Direito não pode permitir isto.

Além disso, se o Brasil quiser crescer terá que ampliar suas políticas educacionais e sociais, sem fins apenas eleitoreiros. Afinal, as discrepâncias entre os mundos de alta tecnologia, do qual a Justiça caminha para fazer parte, e o da população que nunca tocou num teclado de computador, nunca irão resultar em uma Nação mais justa para seus filhos.

De qualquer forma, no Dia da Justiça, vale refletir sobre estes temas. É certo que ainda estamos longe de atingir a agilidade que a população brasileira espera e precisa, mas temos que ser mais realistas e reconhecer que os avanços já são significativos e que a total informatização do judiciário é uma questão de tempo. Os advogados têm, neste triângulo, as melhores tecnologias à sua disposição, mas falta o equipar o terceiro lado, o dos cidadãos. Afinal, queremos ou não um país com direitos e oportunidades iguais, mesmo que seja um longo caminho que tenhamos que percorrer?

Juarez Lopes dos Santos é perito judicial, especializado em precatórios.

E-mail: periciajudicial@ periciajudicial.cnt.br

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