As estatísticas podem ser interpretadas de acordo com a vontade do freguês. É o caso da reelegibilidade dos ocupantes de cargos executivos: prefeitos, governadores e presidente da República. Quando a matéria foi discutida no Congresso Nacional, em longos e intermináveis debates, o medo que se opunha à idéia era que os ocupantes dos cargos executivos, candidatos à reeleição, usassem a máquina pública para reeleger-se. Funcionários da administração, manipulação de verbas e cargos e mesmo programas camuflados de sociais, mas que visam comprar votos com cestas básicas ou outras necessidades do povo transformadas em generosos mimos, seriam levados a reeleger os prefeitos, governadores e o presidente da República. De tais armas não dispunham e não dispõem os candidatos oposicionistas, que, além de não contarem com a escora da máquina e do dinheiro públicos, ainda têm de enfrentar opositores que muitas vezes as usaram descaradamente, não para reeleger-se, pois isso era proibido, mas para eleger seus apaniguados. A experiência passada não recomendava a reelegibilidade.
Mas a democracia brasileira evolui. Pouco a pouco, lentamente, mas evolui.
Já tivemos uma primeira eleição com reelegibilidade e agora tivemos a segunda, para prefeitos, já expurgada de alguns defeitos da primeira, pois reduziu-se a maleabilidade do eleitorado, a ousadia dos já eleitos e candidatos à reeleição e a legislação fiscalizadora e punitiva aperfeiçoou-se.
Dos 2.801 prefeitos que disputaram a reeleição no dia 3 de outubro, mais de dois terços foi reprovado. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informa que 871 prefeitos, ou 31% dos atuais governantes que disputaram um novo mandato, conseguiram se reeleger. Para os que lêem otimisticamente essa estatística, foram só 871 prefeitos. Para os que as vêm de forma pessimista, foram uma quantidade excessiva, fazendo desconfiar do uso da máquina política para a reconquista do posto executivo. Foram 1.930 prefeitos que, candidatando-se para um segundo mandato, receberam um não do seu eleitorado. Dos seus governados e não manipulados, como provaram.
Seríamos ingênuos se imaginássemos que nenhum candidato à reeleição tentou cooptar eleitores de forma irregular, maliciosa e até criminosa. Houve casos em que isso foi denunciado, em episódios até hilariantes. Eleitores denunciando prefeitos que prometeram pagar por seus votos e deram o calote. E, por isso, os tapeados votaram contra. E ainda os que receberam a ilegal paga e votaram contra os prefeitos malandros. Isso porque necessitavam do pagamento, mas moralmente o condenavam e devolveram o favor com o chapéu alheio, do povo, através da rejeição e até da denúncia em público.
Aconteceram alguns casos que merecem investigação e, se necessário e legítimo, punição dos prefeitos não reeleitos. Muitos, ao saberem dos resultados adversos das urnas, decidiram punir os eleitores, principalmente quando funcionários. E os demitiram. Quando não funcionários, suspenderam programas sociais, como distribuição de cestas básicas. Vingança vil, se bem que alguns se desculparam dizendo que tinham funcionários e despesas acima do que permite a Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesses casos, os crimes são confessos e o Ministério Público deve providenciar para que sejam processados e condenados, pois perder as eleições, tanto mais quando usaram meios ilícitos para tentar ficar nos cargos, não é castigo, mas legítimo julgamento. O eleitorado elege e, nos casos dos prefeitos e demais executivos candidatos à reeleição, tem uma excelente oportunidade de julgamento. Foram quatro anos de mandato gerindo muitas vezes bem as áreas de sua jurisdição, portanto merecendo novo voto de confiança. Ou quatro anos de más administrações, clamando por justos castigos. E perder eleições não é castigo e sim contingência da política, quando se age com correição. Neste último pleito, a reelegibilidade passou no teste.