“Nosso governo se empenhará com determinação pela redução imediata para 40 horas, estimulando os setores de ponta a introduzirem reduções mais ousadas pela via do contrato coletivo de trabalho. Para tanto, será preciso convocar empresários, trabalhadores, o governo e o Congresso Nacional para avaliar o que o País ganha e o que perde com a jornada atual, com o desemprego no nível em que está e com a crise social se alastrando”, são palavras do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva sobre a necessidade da redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas. A estimativa constante no programa de governo do PT é de que essa medida propiciaria a geração de cerca de 3,2 milhões de novos postos de trabalho.
Não há, entretanto, uma proposta elaborada sobre a matéria, mas apenas indicativo da necessidade da adoção da medida, um dos pontos de debate do Fórum Nacional do Trabalho que examinará as mudanças na legislação do trabalho. A jornada de trabalho está fixada em 44 horas semanais no artigo 7.º, XIII, da Constituição Federal de 1988, reduzida, assim, em quatro horas naquela oportunidade, meio termo entre a reivindicação já apontada pelas organizações sindicais dos trabalhadores. Estas não abandonaram a reivindicação, item permanente nas pautas de negociação coletiva com os empregadores, matéria de projetos de emenda constituição e tema da CUT/Dieese ao estabelecerem um fórum específico pela redução da jornada de trabalho.
No site do Dieese há apontamentos vários sobre a questão, em especial entrevistas, indicadores, propostas, impactos e outras informações importantes. Dentre elas, destaca-se a recente entrevista do professor e economista francês Thomas Coutrot, técnico do Ministério do Trabalho naquele país, analisando os efeitos da lei flexibilizadora aprovada pelo Parlamento, no final de outubro, oriunda de projeto encaminhado pelo governo, possibilitando que o limite das horas extras seja elevado, anualmente, de 130 para 180 horas, além de reduzir o adicional de horas extras de 25% para 10%. Esta mudança legal possibilita que, na prática, a jornada semanal de 35 horas possa ser ampliada para 39 horas, patamar legal anterior. No ver do economista, a nova lei impede a continuidade do processo de redução da jornada de trabalho que estava em curso, paralisando-o em relação especialmente nas pequenas empresas. No período de aplicação da jornada de 35 horas semanais, já tinham sido gerados cerca de 300 mil novos empregos e estavam previstos mais 100 mil nas pequenas empresas. Portanto, na França, que avançava para a redução da jornada de trabalho, passa a ocorrer o reverso da medalha.
No Brasil, os desequilíbrios no sistema produtivo levam a situações extremas, desde o não controle da jornada de trabalho, face o trabalho informal, até jornadas de 36 horas semanais, como a dos bancários. Ou a aplicação do banco de horas, prática amplamente disseminada em especial na indústria, eliminando o pagamento do adicional pelo trabalho extraordinário e ocasionando prejuízos sensíveis aos trabalhadores. Mesmo no caso de trabalhadores formalmente registrados, a prática mais comum é o trabalho extra sem remuneração, causa principal de milhares de ações na Justiça do Trabalho. O deficiente, ou inexistente em muitos casos pela falta de fiscais federais, processo de fiscalização diária facilita o trabalho extraordinário em larga escala sem remuneração e controle. Nas empresas organizadas e onde ocorre o respeito às normas trabalhistas, podem ocorrer situações de compensação da jornada de trabalho, banco de horas e até mesmo adicionais mais elevados, através de procedimentos estabelecidos em acordos coletivos de trabalho. Esta realidade extremamente diversificada é um dos entraves para o avanço de um sistema de jornada de trabalho que seja efetivamente respeitado e possa, gradativamente, caminhar para a redução almejada.
Em princípio, ocorre reação patronal á proposta de redução da jornada de trabalho e, em conseqüência, este será um dos pontos sensíveis nos debates com o novo governo, caso este venha a manter a proposição anunciada no período eleitoral. Dois pontos, em particular, são assinalados para justificar esta reação, o de que haveria maiores encargos para as empresas e de que não há certeza na geração de novos empregos. Outra questão é relevante e se relaciona com a produtividade e os ganhos do trabalhador. O economista Regis Bonelli, pesquisador associado do IPEA(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do governo federal) ao estudar a participação dos salários no Produto Interno Bruto(PIB) e sua relação com a produtividade em 42 setores da economia brasileira, constatou que no período de 1991 a 1998 a produtividade aumentou, por empregado, em 19,1%, média de 2,5% ao ano, enquanto a participação salarial no PIB foi reduzida de 45% para 37%. Nos EUA a média da taxa de produtividade, desde 1995, é de 2,65% por empregado, e a participação dos salários nos PIB é de 60,6%. Esta perda no poder aquisitivo do salário que vem se acentuando, muitas vezes força o trabalhador a buscar no trabalho extraordinário, mesmo não registrado normalmente, um valor extra na sua remuneração mensal.
Esta situação está diretamente vinculada com as dificuldades encontradas pelas entidades sindicais de trabalhadores nas negociações coletivas de trabalho decorrentes da fragilidade ocasionada diante da desmobilização do trabalhador nas campanhas salariais. Esta desmobilização guarda íntima relação com as altas taxas de desemprego. A preservação do emprego é prioridade, conjugada com a manutenção das vantagens existentes nos instrumentos normativos, adaptando-se as reivindicações salariais a esta nova ordem dos tempos neoliberais. Acordos e convenções coletivas de trabalho têm, em geral, sido mantidos pelos sindicatos patronais e empresas, com reajustes salariais pelo índice do INPC, ou abaixo dele, com reduções em determinados segmentos, ou traduzidos em forma de abonos, participação nos lucros e outras formas remunerativas.
No processo negocial direto entre empregados e empregadores não há, necessariamente, correlação entre o nível de produtividade atingido e os ganhos salariais. A política empresarial está conectada, em especial, na redução de custos, mas evitando reajustes salariais e preferencialmente concedendo vantagens indiretas sobre as quais não ocorrerá a incidência de tributos. Por seu turno, a tática do empregado, alem de manter o emprego, é galgar postos de melhor remuneração, mesmo tendo que se submeter a um sistema produtivo desgastante. O resultado, de modo geral, significa que nem sempre a produtividade e a lucratividade estão vinculadas a uma melhoria na condição de vida, de trabalho ou de salário, mas, simplesmente, a manutenção de um status profissional diante das contingências de um mercado extremamente instável. Neste cenário, a redução da jornada de trabalho pela via convencional entre empregado e empregador tem dificuldade de prosperar. Mais relevante ainda é o momento atual em que se verifica a possibilidade de retorno do processo inflacionário, atingindo profundamente o poder aquisitivo da massa salarial. Para o ano em curso, a inflação atingirá 10% ou mais. Soma-se a alta da taxa de juros e a taxa média de desemprego por volta de 20%, a mais elevada desde 1999. Neste quadro de final de período governamental, em transição para um novo governo, várias dificuldades alimentam um quadro econômico e financeiro complexo no qual o debate da redução da jornada de trabalho terá campo muito pouco propício.
Edésio Passos
é advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e da Abrat, assessor jurídico de entidades sindicais de trabalhadores, integrante do corpo técnico do Diap e ex-deputado federal (PT/PR). E-mail: edesiopassos@terra.com.br