Brasília – Nos últimos três anos, o governo federal deixou de liberar cerca de R$ 30 milhões, que deveriam ser destinados ao Programa de Atendimento Socioeducativo do Adolescente em Conflito com a Lei. Do total de recursos aprovados pelo Orçamento da União, cerca de 60% foram contingenciados pelo Ministério do Planejamento, de acordo com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), que revela outra informação: em 2005, a União só liberou 3% da verba anual até outubro, quando então disponibilizou o restante.
Relatório anual divulgado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) informa que as metas de 2005 foram revistas no que se refere ao acolhimento de jovens em unidades de atendimento provisório ? 480 em vez de mil ? e à criação de vagas ? 2,9 mil no lugar de 4 mil.
Algumas fontes ouvidas pela Agência Brasil reclamam da redução da verba, enquanto outras argumentam que a revisão nos planos tem a ver com uma mudança na forma de implementar as medidas socioeducativas. Há também quem diga que não deve haver mudança nenhuma, como mostra essa série de reportagens, que também entrevistou garotos que foram internos e hoje não querem nem passar perto do que chamam de "pedaço do inferno".
A discussão aqui apresentada ocorre no momento em que o governo federal tenta emplacar uma nova forma de lidar com os adolescentes em conflito com a lei: o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que foi apresentado recentemente e terá a regulamentação debatida durante encontro nos dias 9 e 10 de agosto, em Brasília.
De acordo com Fernando Silva, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão da SEDH, o dinheiro retido seria bem-vindo, pois seria aplicado não só na construção de unidades de internação, mas também na reestruturação das medidas socioeducativas em diversas partes do país. Atualmente, a prioridade é adotar medidas de meio aberto, como prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida. Segundo ele, essa diretriz está prevista no Sinase e não é respeitada em muitas unidades.
?A maioria das unidades que temos no Brasil foi construída de modo semelhante ao sistema prisional e não ao previsto no ECA [Estatuto da Criança e do adolescente], com arquitetura e sistema educacional e pedagógico adequado?, explica.
Silva critica a forma como a verba é liberada. ?A maior parte dos recursos previstos para todo o ano [passado] só foi disponibilizada nos últimos meses, o que comprometeu a execução de políticas públicas na área. Se o governo só libera recursos nos últimos dias do ano, fica impossível fazer os procedimentos que a legislação exige?.
Ele disse que, ao longo de 2005, o Conanda enviou ofícios aos ministérios do Planejamento e da Fazenda pedindo que os recursos fossem desbloqueados. Silva frisou, no entanto, que a responsabilidade de investir no atendimento socioeducativo não é só do governo federal. ?A execução das medidas é responsabilidade de cada estado e município?. O Ministério do Planejamento informou, por meio da assessoria de imprensa, que não se pronuncia sobre contingenciamento de verba.
O valor retido pelo governo pode ser ainda maior. O programa de atendimento socioeducativo também recebe aporte do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente, composto por recursos do governo federal e de outras instituições que, em contrapartida, são beneficiadas com desconto no imposto de renda. Dos cerca de R$ 32 milhões previstos, foram liberados R$ 23,8 mil, de acordo com o Siafi.