Preocupado com o emprego da terminologia adequada, a fim de evitar confusão, e, inclusive, eventuais posteriores dúvidas sobre competência, o prestigioso processualista José Carlos Barbosa Moreira fez publicar em RJ 224, de junho de 1996, o artigo “Que significa `não conhecer’ de um recurso?”, em que conclui ser admissível essa expressão apenas quando o órgão julgador se abstenha de examinar a impugnação em sua substância, de aprovar ou desaprovar a decisão recorrida, pois se o fizer, avançando o sinal, já terá conhecido do recurso.
A constatação parece óbvia, mas diversos pronunciamentos dos tribunais concorrem para demonstrar a sua relevância e utilidade prática. O próprio Supremo Tribunal Federal, como ressalta o mesmo articulista, editou a incongruente Súmula 249: “É competente o Supremo Tribunal Federal para a ação rescisória, quando, embora não tendo conhecido o recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão federal controvertida”.
Concebível não é, com efeito, que o tribunal aprecie a questão federal e, apesar disso, deixe de conhecer o recurso. Tais considerações de imediato reacendem velha discussão a respeito de tema assemelhado: recebem-se (conhecem-se) ou provêem-se (acolhem-se) os embargos infringentes?
A similitude entre as duas questões, como logo se percebe, está em que a expressão “receber o recurso” deve, em princípio, ser considerada equivalente a “conhecer do recurso”. Isto é, ambas dizem respeito ao resultado do juízo de admissibilidade procedido no tribunal.
Na tradição de nosso direito “receber” ou “conhecer” são designações utilizadas indiferentemente pelo magistrado que examina se o recurso deve ou não ter seguimento, antes de averiguar o seu fundamento.
É certo que costumam igualmente adotar os nossos tribunais a fórmula “receber os embargos” ao decidir o mérito da impugnação formulada, mas é justamente isso que não é aceitável, na medida em que se pretenda uniformizar os julgados e aclarar a questão.
O dicionário Houaiss (Editora Objetiva, 1.ª edição, p. 2.398) traz o termo “receber” tanto no sentido de “acolher, admitir (recurso), para apreciar e julgar” quanto no de “dar provimento a (o juiz recebeu o embargo interposto pela outra parte)”, mas é evidente que não se trata, esta última, de uma definição jurídica e sim apenas de um registro de acepção corrente na jurisprudência dos tribunais.
Nem se diga que, por existir imanente nos embargos infringentes um pedido de retratação, a terminologia no seu processamento possa ser específica. Na verdade, embora a sua apreciação demande um novo exame, não se pode afastar o seu conteúdo devolutivo a lhe assegurar a qualidade de recurso.
Por isso mesmo não é razoável o emprego da expressão “recebo os embargos”. Como não o seria o de “admito os embargos” para se proceder ao exame de mérito, já que ambas, tanto quanto “conhecer”, se destinam exclusivamente à apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso.
O provecto De Plácido e Silva já ensinava que “receber o recurso é o admitir ou o permitir, para que seja objeto de discussão e julgamento”. E “recebimento do recurso é a aceitação ou a admissão do recurso no teor do pedido, para que, processado, apreciado, seja objeto de decisão” (Vocabulário Jurídico, Forense, 2.ª ed. Vol. IV, p. 1.298/9).
Evidencia-se aí, de modo claro, que se trata de uma etapa preliminar, de exame de requisitos, anterior àquela de apreciação das razões recursais.
Enfim, o termo “receber os embargos” há de ser empregado tão- apenas no sentido de “conhecer do recurso”, na oportunidade daquele referido exame preambular, jamais ao se decidir pela manutenção ou reforma do acórdão embargado.
Incumbe ao profissional do direito empenhar-se pela prevalência dessa distinção, sem a qual poderá reinar a confusão e a imprecisão.
Ruy Fernando de Oliveira
é desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná.