Recaídas ideológicas

A equipe de Lula, salvo os neopetistas, vem sofrendo algumas recaídas.

Primeiro, exibiu 23 anos de lutas socialistas, com economia estatizada, estatizante ou pelo menos controlada pelo poder público, seja na produção, no consumo ou nos preços. As licenças admitidas pelo também ideologicamente esquerdista Fernando Henrique Cardoso e as alianças ao centro e à direita que fez, assumindo idéias liberalizantes, ganharam o epíteto pejorativo de neoliberalismo, designação nunca suficientemente explicada. Era mostrado como concessões ao capitalismo, mesmo que selvagem, e a adesão ao imperialismo econômico dos Estados Unidos e de entidades multinacionais, como FMI, Bird e Banco Mundial, considerados seus braços para explorar países em desenvolvimento, como o Brasil.

Na campanha eleitoral, quando ficou evidente que Lula tinha as melhores chances de se eleger, inclusive porque fez alianças com grupos mais ao centro e à direita, o mercado interno e o internacional reagiram com desconfiança. Passamos por severas crises e o medo do mercado quase generalizou-se. Subiu o dólar, rarearam os investimentos e ficamos ameaçados de não conseguir honrar os compromissos externos e mesmo internos. O governo FHC, embora tendo candidato à Presidência da República na pessoa de José Serra, diante da perigosa situação, passou a avalizar o provável governo Lula, espalhando mundo afora que ele era confiável e que cumpriria os compromissos internacionais e internos assumidos na área financeira e econômica. Lula e os seus, um tanto tímida e gradativamente, repetiram as promessas.

Assumindo, Lula formou uma equipe econômica muito semelhante à de FHC, para não lembrar que em alguns altos cargos até manteve homens que trabalharam com Pedro Malan e Armínio Fraga. As políticas que anunciaram e começaram a desenvolver, em termos financeiros e econômicos, confirmaram o comportamento ortodoxo prometido. Até o Fundo Monetário Internacional passou a elogiar a equipe econômica de Lula e o próprio presidente. Os chamados petistas autênticos e as demais esquerdas que sempre apoiaram Lula e seu socialismo, começaram a protestar, porém sem força política para mudar os rumos do governo.

O que parece que está ameaçando mudá-lo é uma recaída ideológica do próprio presidente e os seus correligionários que continuaram apoiando-o, mesmo na heterodoxia neocapitalista. As agências controladoras de setores essenciais privatizados, como energia elétrica, comunicações e petróleo, diante dos aumentos de preços acontecidos, provocaram revolta em Lula, que chegou a declarar que só sabia desses fatos indesejáveis pelos jornais. Descobriu ele que, num governo desestatizado, muito da economia passa a ser gerida pelas leis do mercado e as agências governamentais são meras fiscalizadoras, regulamentadoras, controladoras. Não ditam preços e, portanto, o governo também não os dita. Aumentos como os da telefonia, da energia elétrica e dos combustíveis escaparam às decisões do governo porque as regras hoje são de livre (ou mais ou menos livre) mercado.

Lula já fala em mudar a situação, aumentando a intervenção do governo na formação de preços. Nisso, aproxima-se, por absurdo que pareça, do que pregava o seu adversário José Serra. Este sim sustentava, contra o próprio governo FHC ao qual servia e do qual era candidato, a necessidade de uma maior intervenção estatal na economia. A recaída ideológica aproxima os até ontem adversários.

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