Recado a Vicentinho

A aprovação em primeiro turno da chamada “reforma da Previdência”, proposta pelo governo petista, provocou comemorações tão efusivas na ala governista quanto um gol decisivo para a seleção brasileira de futebol em uma final de Copa do Mundo. Mas, verificando atentamente, nada há a comemorar nesse melancólico episódio para a administração pública nacional. Acompanhamos de perto todos os fatos que ocorreram na votação da “reforma”. O saldo, após calma reflexão, longe do calor das discussões, revela que o Partido dos Trabalhadores, que chegou ao poder após vinte anos de empenho de cidadãos, também trabalhadores, foi quem mais perdeu, acompanhado, logicamente, pela administração pública e seus integrantes, os servidores públicos. A derrota do PT, já anunciada, subliminarmente, em perfeito discurso do líder do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), deputado federal baiano Jutahy Magalhães, é drástica, porque o PT perdeu algo de difícil reconstrução: a credibilidade de seus discursos e propostas.

Os pontos que evidenciaram a quebra da credibilidade do PT, principalmente nessa fase governista, ocorreram em vários momentos, como quando os deputados do partido, ou a maior parte desses, optaram por privilegiar o sistema financeiro em detrimento da classe de trabalhadores que mais formou opinião para o seu crescimento, os servidores. Aliás, a quebra de confiança não ocorreu somente nos trabalhadores do serviço público, pois muitos da iniciativa privada sabem que algo há de errado nessa proposta. Mais uma triste demonstração da política adotada pelo governo para aprovar a “reforma” foi o impressionante montante de recursos liberados para emendas e restos a pagar, noticiado pela imprensa. A atitude revelou a intenção de “negociar” os votos com recursos de todo o povo brasileiro, como se faz em um grande balcão de negócios. Por fim, a quebra de credibilidade foi selada pela “junção” ou “subordinação” do partido a figuras políticas que ele sempre combateu. O clímax ocorreu quando o líder do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), deputado carioca Roberto Jefferson, encaminhou a votação de sua bancada. Era madrugada e assisti a repetição, quase idêntica, de uma cena que acompanhei há algum tempo, na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. O ano era 1999. Estava em discussão o fator previdenciário para os segurados do INSS, mecanismo que reduziu em grande proporção o valor das aposentadorias desses trabalhadores, mudando brutalmente as regras para concessão de seus benefícios. Nesse dia, estavam na comissão o deputado Roberto Jefferson, o então presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vicentinho, acompanhado de vários manifestantes, e eu, como representante de uma entidade de classe de servidores públicos com histórico de mais de 50 anos de luta em favor da previdência social pública.

Pois bem! Na hora do encaminhamento da votação, o líder partidário Roberto Jefferson apontou para Vicentinho e para os manifestantes, gente simples que estava na comissão, e afirmou que ali não havia ninguém do povo, mas somente “privilegiados e bem-vestidos”. Fiquei pasmo com a zombaria endereçada àquelas pessoas. A atitude demonstrava a distância do parlamentar da realidade social do País. Para meu espanto, a mesma cena repetiu-se na votação da “reforma”. Os participantes eram os mesmos, mas alguns mudaram de posição. Eu continuava defendendo os trabalhadores, só que, desta vez, do serviço público. O deputado Roberto Jefferson continuava como líder do PTB e Vicentinho, agora deputado, circulava no plenário da Câmara em um impecável terno bege-claro. Uma grande surpresa foi testemunhar o líder do PTB utilizar idêntico argumento de 1999, ao afirmar que não via nas galerias “ninguém do povo, mas somente privilegiados e bem-vestidos”. Mas minha surpresa maior estava por vir. O deputado Vicentinho, o mesmo de alguns anos, após a zombaria do líder, aplaudiu-o com grande entusiasmo, como quem aplaude um ídolo.

Essas são as razões que me levam a acreditar na perda para o PT. O partido que defendia a ética na política e os trabalhadores brasileiros, fossem do serviço público ou da iniciativa privada, perdeu sua maior marca: a credibilidade. Para boa parte dos trabalhadores essa derrota é como a de quem perde um sonho ou alguém querido. Eles sentem-se órfãos, sem ter a quem recorrer ou acreditar, esperando, talvez, novamente, para tristeza de nossa democracia, um salvador da pátria.

Marcelo Oliveira

é presidente da Anfip – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo