Realismo tributário

O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Márcio Pochmann, respeitado pela seriedade com que conduziu inúmeras pesquisas sobre relações de trabalho e política salarial, pode se transformar no mais novo foco da murmuração da corte de áulicos que pulula em torno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de cumprir com esmero o ritual de excluir dos arraiais governistas todos quantos insistam na liberdade de expressão e não estejam dispostos a abrir mão das próprias idéias.

Referindo-se à proposta de reforma tributária encaminhada pelo governo ao Congresso, com o objetivo de promover a almejada justiça fiscal, recheio indispensável do discurso de qualquer candidato a cargo eletivo, Pochmann afirmou não ver no projeto a intenção de criar um ambiente no qual os beneficiários rendimentos mais altos estejam, em contrapartida, obrigados a pagar mais impostos. O presidente do Ipea, organismo recém-deslocado da estrutura do Ministério do Planejamento para a Secretaria Especial de Assuntos de Longo Prazo e agora também do momento presente, na impagável definição cunhada por Jânio de Freitas em sua coluna na Folha de S.Paulo, sublinhou que o escopo explícito da reforma tributária é tornar a economia mais eficiente.

As opiniões de Pochmann foram expostas durante seminário realizado pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), ligado diretamente à Presidência da República. Um dos alvos preferenciais do economista foi a sistemática atual do Imposto de Renda das pessoas físicas, que opera com duas alíquotas (15% a 27,5%), enfatizando que no período de 1979 a 1982 havia 12 alíquotas que variavam de zero a 55%. Os jornais puseram entre aspas uma declaração que vai dar o que falar: ?O regime militar tinha política do imposto de renda mais voltada para a redução da iniqüidade. Chegamos a ter 13 faixas de tributação e os níveis mais baixos pagavam menos que atualmente?. Pochmann concluiu em tom de lamentação: ?O Imposto de Renda com apenas duas faixas retira o potencial redistributivo que poderia ter?.

Diante dessa prática inflexível, o economista reiterou que não pode haver justiça tributária, mesmo porque o modelo brasileiro se opõe ao de muitos países com mais faixas e menor tributação sobre as rendas menores. No caso dos rendimentos elevados as alíquotas podem chegar a 40% ou 50%, ao passo que aqui ela está fixada em 27,5%.

Entrementes, a tese mais polêmica levantada pelo presidente do Ipea e, não pela primeira vez, diz respeito à cobrança de um imposto sobre grandes fortunas, cuja dimensão calculada pelo próprio órgão de pesquisas pode superar em quatro vezes o total do Produto Interno Bruto (PIB), soma de todas as riquezas produzidas no País no período de um ano. Com base nesta simulação pecuniária, Pochmann raciocina que a cobrança da alíquota de apenas 1% sobre grandes fortunas renderia aos cofres públicos a arrecadação anual de R$ 100 bilhões.

A preocupação com a obtenção da meta da justiça fiscal estaria plenamente satisfeita conforme a análise de Pochmann, porquanto uma exclusiva parcela de 10% da população brasileira é detentora de 75% da riqueza nacional, na forma de patrimônio territorial ou papéis circulantes no mercado financeiro. O sistema tributário não é justo, pois deposita sobre os ombros do contribuinte mais pobre uma carga 44% maior que a tributada aos miliardários.

Para a conquista de mudanças substanciais no combate à desigualdade social, Pochmann recomendou a implantação de um sistema tributário passível de estabelecer a equidade entre os contribuintes, citando como exemplo a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), tributo que ?conversa com o futuro e não precisa de fiscais?. 

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