O funcionalismo público federal faz campanha por uma reposição salarial de 46%. Mas o governo de Luiz Inácio Lula da Silva contra-oferece 1%. É o mesmo que nada e, para muitos, isso está sendo entendido até como provocação. Afinal, não são concedidos aumentos lineares a esses funcionários desde julho de 1998. Para complicar ainda mais as coisas, o novo sistema previdenciário, como está sendo anunciado, reproduz a “velha cantilena enfadonha e mentirosa sobre o rombo na Previdência”, no dizer da senadora Heloísa Helena, uma das líderes da oposição aos atos do governo Lula.
A questão dos reajustes não é nada confortável. Se pudesse, Lula daria seguramente mais que os 46% pedidos. Faria festa com companheiros e companheiras que lhe deram sabido e decisivo apoio eleitoral para chegar à cadeira presidencial. Acontece que, feitas as contas, o custo total do reajuste não poderá ultrapassar a casa dos R$ 1,123 bilhão, sob pena de vestir um santo e deixar a descoberto outros. E, já de olho num possível segundo mandato (Lula já declarou que quatro anos é muito pouco para a realização de seus projetos), agarra-se ao timão da responsabilidade para não bagunçar o orçamento.
Assim, determinou que o aumento seja diferenciado. Os que já foram promovidos, tiveram alguma vantagem pelo caminho (mesmo as decorrentes de mudanças no plano de carreira) receberão menos, assegurado sempre o mínimo do simbólico um por cento. O reajuste concedido, entretanto, será retroativo a primeiro de janeiro, enquanto o governo toma a iniciativa de propor um programa de reposição das perdas, a ser executado no curso dos próximos três anos.
Lula confia no futuro. Para os próximos anos empurrou também a obra de duplicação dos valores do salário mínimo. Na terça-feira disse em São Paulo que não está longe o momento de os brasileiros verem a inflação controlada e os juros caindo. À cobrança de resultados imediatos, o presidente acena com a certeza de que a esperança será recompensada. E triunfará sobre o medo ou sobre o desespero. Reforça essa imagem com uma olhadela sobre o passado. Comendo pão com mortadela numa fábrica, disse que a massa salarial do trabalhador brasileiro não cresce desde a década de 60: “Se a gente pegar – ensinou a antigos companheiros – os últimos 30 anos vai perceber que a massa salarial é reta. É como se fosse um eletrocardiograma e o paciente estivesse morto. Não há oscilação”.
Na definição do “Brasil que a gente deseja”, o paraíso do pleno emprego com crescimento econômico e muita fartura ainda está distante. Vamos ter – segundo pede o companheiro presidente – de manter o cinto apertado por alguns meses para que a economia dê um salto de qualidade e volte a crescer. É quase a repetição do delfiniano esperar o bolo crescer para só então dividi-lo. Ou, como diz o próprio Lula: “Vamos fazer a coisa de forma meticulosa”, sem “nenhuma aventura e nenhuma loucura”, mas “a ferro e fogo, porque temos um objetivo de provar que esse País pode ser governado de forma muito mais decente”. Resta saber se gente como o funcionalismo, que já começa a onda de paralisações, haverá de entender e – mais que isso – acatar o discurso da travessia.