Razões para uma vitória de Lula

Lula está com o pé direito entrando no Palácio do Planalto. O pé esquerdo está em movimento de ingresso. Só mesmo uma grande topada atrapalhará o passo firme do ex-metalúrgico na sua mais arrojada tentativa para se sentar no assento que já foi ocupado por barbudos como Deodoro da Fonseca, Prudente de Morais, Campos Salles, Rodrigues Alves, Affonso Penna, Nilo Peçanha e Washington Luis.

A análise política comporta a imprevisibilidade. Portanto, qualquer cenário estará sujeito a distorções e erros de avaliação, principalmente se considerarmos os traços de volatilidade que moldam o perfil do eleitorado brasileiro. Mas, na ausência de dados que permitam projeções diferentes, Lula está com a faca e o queijo na mão. Numa escala de probabilidades de 0 a 100, Lula estaria rodeando a marca dos 90. Basta conferir os dados, a partir da aritmética dos votos válidos. O eleitorado soma 115.200.000, dos quais pode-se tirar cerca de 15% de abstenção, o que resultará em 97.920.000 votos.

Com seis nomes a serem digitados, o processo oferecerá dificuldade às camadas semi-alfabetizadas, mesmo que se conte com a ajuda da cola. Diminua-se, portanto, do total de comparecimento, uns 17% de votos nulos e brancos. Os votos válidos chegarão a 81.273.600. Para ganhar, o candidato terá de contar com 40.636.801. A conta é aproximada, mas o raciocínio de que, para ganhar, o candidato precisa ter mais de 40 milhões de votos, está correto. Ora, se considerarmos que Lula tem, hoje, cerca de 48% dos votos válidos, ele estaria com mais de 39 milhões de votos, algo em torno de 21 milhões a mais do que Serra. Para chegar no dia 6 de outubro com metade dessa diferença, Serra teria de ganhar mais de 1 milhão de votos por dia, meta praticamente impossível. E para ganhar no primeiro turno, basta a Lula menos de 2 milhões de votos. Se crescer um pouco mais em São Paulo, que tem 25 milhões de eleitores, dará a cartada final.

No segundo turno, mais provável com a subida de Garotinho, é comum se dizer que a campanha começará do zero. A hipótese seria mais correta, caso a diferença entre os dois candidatos não fosse tão grande. Para começar, acabará a vantagem que, hoje, Serra contabiliza, em termos de tempo de programa eleitoral. Serão 10 minutos para cada candidato. A campanha será mais curta do que a anterior, o que favorece mais Lula do que Serra. O sentimento de que chegou a vez do PT e a sensação de Lula é o vento da estação conseguirão manter estável sua boa posição, não se prevendo migrações de monta para a candidatura Serra. Ademais, há de se deduzir, ainda, que os bolsões de Garotinho e Ciro tendem a votar mais em Lula do que em Serra, mesmo que as cúpulas partidárias fiquem divididas. Como não há mais um Plano Real para alavancar a candidatura governista, como nas duas campanhas de Fernando Henrique, só mesmo um milagre poderá dar brilho à plumagem tucana. Pano de fundo: não há mais o medo de que o Brasil vire Argentina e Lula tem garantido que cumprirá todos os compromissos internacionais.

A campanha de Serra, há de se convir, tem sido, até o momento, um desfile de pequenos desastres. Enquanto Lula, Ciro e Garotinho desfilam, todos os dias, pelo principal telejornal do país, cercados de povo, Serra manda dizer que não teve compromissos públicos ou está gravando os programas eleitorais. Ou seja, o tucano desaparece no meio da floresta, exatamente no momento mais agudo da campanha, as duas semanas finais. Seu programa eleitoral é um desfile de previsibilidades. Excelente nível técnico, porém muito racional e mesmo tradicional. Criatividade inexiste. A campanha negativa feita, com ataques a Lula, funcionou como bumerangue. Ou seja, quase nada funciona na seara dos serristas. O presidente Fernando Henrique, que deveria ser usado como um bom cabo eleitoral, foi encostado. Parece até que há um complô interno, dentro da máquina governista, para derrotar o ex-ministro da Saúde.

Do lado dos petistas, um clima de felicidade e encantamento anima as pessoas, dispara as emoções, anima as bases, conquista apoios. O establishement aflui em peso em direção a um perfil que já foi execrado e demonizado. A barba de Lula já passa a ser codificada como sinal de simpatia. Por tudo isso, o PT está pertinho do assento central do Poder. A idéia que se espalha é a de que o Brasil tinha de experimentar Lula e o PT. Pois bem: o momento parece ter chegado.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político. E-mail: gautorq@gtmarketing.com.br

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