Há no Senado Federal um forte cheiro e insuportável gosto de ranço coronelista, um estilo de fazer política que parecia estar desaparecendo, pelo menos nos grandes centros de decisão deste País. E essa forma de fazer política, em que quem tem posição, manda, pisa sobre a lei, a vontade e os interesses do povo e o submete aos seus caprichos, tem desaparecido mais como um processo evolutivo resultante da urbanização do que pela adoção de princípios mais éticos. Mas o episódio Renan Calheiros é sinal de que o coronelismo ainda persiste e fede o suficiente para impregnar de mau odor até a câmara alta.
Nesta quarta-feira, amanhã, o plenário do Senado deverá julgar o processo contra Calheiros, presidente da Casa, por quebra de decoro parlamentar. A Comissão de Ética decidiu por maioria absoluta pela cassação. Votaram a favor até mesmo os senadores do PT, partido do governo que não prescinde do apoio do PMDB, agremiação do político alagoano. Este se nega a sentar-se no banco dos réus, mesmo processado. Está aboletado no trono da presidência e dele não apeia.
Renan não é um típico coronel político. É, sim, um rebotalho do coronelismo, um político que saído das camadas menos altas, para não dizer mais baixas dessa classe política que por tantos anos dominou o interior do País, é dele um imitador e herdeiro de usos e costumes. Maus usos e péssimos costumes.
Infelizmente para o País, o julgamento de amanhã poderá ter desdobramentos que tendem a afetar a política nacional nos próximos anos. O julgamento de Renan pelo plenário do Senado que ele preside, embora seja réu, será secreto e por voto secreto, o suficiente para pôr em dúvida a legitimidade de qualquer resultado, seja a favor ou contra o político alagoano. Tecnicamente, está provado que ele infringiu o código de ética do Senado. Assim decidiu a maioria dos senadores da Comissão de Ética e os da Comissão de Constituição e Justiça. E assim admitiram até senadores aliados de Calheiros. Mas a decisão do plenário é política e suspeita porque também secreta.
Em geral, uma decisão política no parlamento revela corporativismo. Absolve, mesmo que comprovadas as responsabilidades. Assim aconteceu na Câmara, no caso do mensalão, que em boa hora o Supremo Tribunal Federal está resgatando. No caso Renan, a decisão política tem profundas implicações. O fato de ele ter se mantido na presidência da Casa e a forma arbitrária com que buscou se defender põem no banco dos réus o próprio Senado Federal. A câmara alta corre o risco, no caso de absolvição, de receber condenação da opinião pública e desmoralizar-se. Essa possibilidade até já fez renascer a idéia do unicameralismo, técnica e politicamente legítima, mas desta vez relembrada em razão da crise ética. Se o Brasil não tiver Senado, o que já ocorre em muitos países, nada se perde. Pelo contrário, economiza-se um bocado de dinheiro, saliva e evitam-se muitos escândalos.
O julgamento de Renan, marcado para esta quarta-feira, põe em xeque também o acordo PT-governo Lula com o PMDB. Há parlamentares peemedebistas que já cobram do governo apoio a Renan, sob pena de um possível rompimento ou pelo menos do aumento de exigências por compensações. Sinalizaria, também, os caminhos da sucessão de Lula. O PMDB quer a vaga de candidato situacionista e o PT, embora Lula admita o contrário, insiste em candidatura própria. Situacionistas aconselham Renan que, mesmo se absolvido, afaste-se por licença da presidência do Senado. Temem que se ele persistir na sua teimosia de não deixar o cargo haja uma reação parlamentar contra propostas que o governo considera essenciais, uma delas a renovação ou não da CPMF. E lembram que existem mais quatro representações contra ele.
Enfim, o político alagoano, herdeiro do ranço do coronelismo, instala em Brasília o que há de mais abjeto e atrasado na política brasileira. Um estilo que se esperava já estivesse em extinção.