Ramerrame

Já vão longe aqueles dias em que o governo e o PT decidiram expulsar sumariamente históricos militantes seus por divergirem de coisas pequenas. Era um tempo ainda de esperanças e ambos traziam o peito cheio de ética. A expulsão dos chamados radicais, embora tenha levado bom tempo para se materializar, sinalizou para um comportamento que nada tem a ver com a forma com que hoje o núcleo do poder enfrenta a borrasca detonada pela descoberta do Waldogate, pouco antes do Carnaval: no Planalto, a falação está livre e, quanto mais duras as críticas, menor é a reação do governo. E também do PT. No dizer do presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, o governo simplesmente “esfarinhou”.

Faz mais de mês que não se fala e não se faz no País outra coisa. Mesmo quando parece diferente, tem a ver com a incômoda figura de um homem carraçudo, dizem de fala mansa, que ajudava o ministro José Dirceu, o capitão do time, a resolver os problemas mais intrincados. O “ministro” (assim era conhecido por muitos) era, como se disse, o braço-direito, a perna-direita, pulmões, ouvidos e coração do homem forte do presidente Lula. Afastado a pedido depois da revelação de algumas imagens onde aparecia em plena ação de achaque no submundo da jogatina, Waldomiro passou a fazer falta na estrutura do Planalto. Dirceu entrou em depressão profunda, Lula silenciou, ninguém acertou mais o passo. O pedido da cabeça do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, é um detalhe apenas.

Na televisão, o primeiro discurso pós-crise do ministro José Dirceu, feito diante de um time de prefeitos do PT, em Brasília, na terça-feira, foi lamentável. Tentou fazer um mea-culpa sem consistência, perguntando-se a todo momento onde estava com a cabeça (e por essa falha ele afirma não se perdoar jamais), onde estava com a razão, onde estava, do alto de sua experiência, que não percebia as coisas graves que aconteciam à sua volta. Por mais que fale, ninguém vai acreditar, mesmo porque o próprio governo tratou de impedir que a credibilidade do ministro passasse incólume. No ramerrame (a qualificação é do governador do Acre, Jorge Viana, também do PT) em que se meteu um governo que não quer ser investigado, o silêncio seria o melhor caminho.

O presidente Lula vai aos poucos perdendo uma autoridade que lhe fazia folga. Consegue repetir o que já cansamos de ouvir: que não haverá um plano Lula, um plano Palocci. Pior é não haver, como parece, um plano. E mesmo que haja, o governo está tomado pela paralisia na já tardia observação do ministro da Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, até aqui à margem das futricas palacianas. Uma espécie de sensor da classe empresarial, Furlan admite que a inércia alimenta o mau humor que tomou conta do empresariado nos últimos dias – esse mau humor “pós e pré-carnavalesco” que há questão de sessenta dias era bom humor.

Para corroborar com o ramerrame, além das choramingas de Dirceu, estão aí as últimas do presidente do PT, José Genoino, que, pouco antes do presidente do PL, havia contribuído para aumentar as dores de cabeça de Palocci e companhia. “Você extrapolou”, disse ele a Valdemar da Costa Neto. “O debate sobre os rumos da economia tem de ser feito em outro nível, e não cobrando a queda de um ministro.”

Ora, é o mesmo que dizer: a gente também quer o que você quer, mas ainda não está na hora de pedir a derrubada do ministro. A gente só derruba ele se ele não concordar com o que nós achamos, isto é, com as mudanças do rumo da economia… a mesma coisa, no frigir dos ovos, que queriam os radicais expulsos sob a presidência de Genoino. De fato, um ramerrame que não tem mais fim. Ou, como quer Bornhausen, o esfarinhamento continua.

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