O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, tem consciência de que não será tarefa fácil e que pode estar comprando uma grande briga com a corporação, isto é, com a magistratura. Mas está decidido a levar adiante um projeto que pretende fazer uma funda e completa radiografia do Judiciário para, entre outras coisas, saber o custo real da Justiça brasileira. O levantamento virá na esteira da reforma do Judiciário, em debate no Congresso, e deve ficar pronto, de acordo se anuncia, em cerca de seis meses.
O levantamento dirá, por exemplo, se há de fato verdade nessa informação de que os juízes trabalham muito. “Mas esse muito serve para quê?”, pergunta-se o presidente do STF. Indicará os motivos da demora no trâmite dos processos, tratará dos custos da administração da Justiça, fará a fotografia do nepotismo e apontará os problemas de gestão em todas as justiças que temos – a trabalhista, a penal, a federal, a estadual, a de primeira e segunda instâncias, etc. Na verdade, muitas justiças e pouca Justiça. Será o primeiro passo para a tomada de decisões em busca de uma solução abrangente para transformar o conceito do Judiciário perante a sociedade, hoje calcado na imagem de que é elitista, corrupto, lento e ineficiente.
O resultado desse diagnóstico será utilizado pelo Conselho Nacional de Justiça – talvez a principal novidade da reforma em curso – que será responsável pelo planejamento orçamentário, financeiro e estratégico de toda a Justiça brasileira. Esse conselho também fiscalizará o cumprimento dos deveres funcionais de juízes e representantes do Ministério Público. Segundo o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, será um órgão de coordenação e governança, “para que os valores republicanos possam prevalecer”.
Além de muitas outras mudanças, haverá, segundo se preconiza, a padronização dos concursos para juízes, impondo um mesmo nível de exigência para acesso à magistratura em todo o território nacional.
Outro objetivo será localizar a responsabilidade da Justiça sobre a corrupção e a impunidade no Brasil. Bastos entende que nisso o Judiciário tem sua parte de responsabilidade, “assim como todos nós”. Se não forem estabelecidos sadios mecanismos para inibir e punir, tanto os índices de corrupção quanto aqueles da impunidade crescem. Não acha o ministro que os juízes sejam corruptos, pois a maioria da magistratura é honesta, trabalhadora e se esforça para dar conta da sobrecarga de trabalho. Mas… – e sempre há um mas – “como há no Executivo os Waldomiros e no Legislativo tantos outros casos, há também no Judiciário a corrupção”. Em que pese a existência das corregedorias atuais, Bastos entende que é necessário um órgão “capaz de fazer o trabalho de corregedoria”.
Lucrará a sociedade, hoje consciente de que – como resume o ministro da Justiça seu conceito de impunidade – o Código Penal é para os pobres, enquanto o Código Civil é para os ricos. “Um poder democratizado, oxigenado, mais rápido, mais eficiente, mais preparado, é fundamental para o combate à corrupção e à impunidade.” E é no Judiciário que as coisas se definem. Inclusive na fixação do chamado custo Brasil, onde, respeitando-se o princípio do amplo direito de defesa, há que existir um disciplinamento adequado da chamada indústria dos recursos. Como se vê, um tema que envolverá fundo também a classe dos advogados.
Até aqui, sempre que se falou em reforma do Judiciário, o assunto acabou afunilando no debate acerca da remuneração da magistratura, suas prerrogativas e adjacências. Tomara desta vez o debate se alargue para conceitos mais pertinentes a toda a sociedade. Se assim ocorrer, isto é, se a reforma olhar para além dos muros da corporação sem fazer disso um pretexto para a consolidação de questões corporativistas, estaremos amadurecendo. Seja bem-vindo, pois, o raio-x do Judiciário.