Questão de linguagem

Um professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, há algumas décadas, elaborou uma tese sobre os inúmeros significados de uma mesma linguagem. Uma mesma frase ou texto pode significar coisas diferentes porque pronunciadas por pessoas distintas; em diferentes ocasiões; em diversos contextos ou com objetivos que não são os mesmos. Além disso, existem as armadilhas da língua, o português, useiro e vezeiro em pregar peças. Pior ainda quando se trata de linguagem de políticos em campanha. Não só diferem de acordo com a ótica que usam, como em razão do nível de seus pudores ao dialogar com o eleitorado. Se é para tentar conquistá-lo a qualquer preço, valem as encenações de indignação, as entonações de verdade absoluta, os tons professorais ou críticos, já para não falar na mentira e na demagogia.

“Um lavrador tinha um bezerro e a mãe do lavrador era também o pai do bezerro”. Esta frase era uma armadilha freqüentemente apresentada aos alunos pelos professores de português. Davam a dica: basta uma pontuação para tornar tudo correto, inteligível. E antes que os alunos embasbacados começassem a imaginar aterradoras aberrações da natureza, mandavam colocar um ponto e vírgula logo depois da palavra “mãe”. Ficava assim: “Um lavrador tinha um bezerro e a mãe; do lavrador era também o pai do bezerro”, o que traduzido em miúdos significa que o lavrador tinha um bezerro, a vaca e o touro, pais do bezerro.

Abrindo os jornais de ontem vimos noticiário sobre as conversas entre o presidente Fernando Henrique Cardoso e os principais candidatos à sua sucessão. Os encontros, fato inédito na política brasileira e exemplo raro em todo o mundo democrático, serviram para que o presidente, em fim de mandato e depois de ter assinado acordos com o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento, em meio a uma perigosa crise e turbulência no mercado financeiro, explicasse aos pretendentes ao seu cargo qual a real situação. Os acordos influirão no novo governo e poderão por ele estender-se. E ao mercado interessa convencer-se de continuidade no cumprimento de contratos e compromissos firmados em nome do Brasil. Para cada candidato, o assunto interessa porque a crise que hoje atravessamos e os acordos tentam minorá-la, não termina com o fim do governo FHC. Pode continuar e até agravar-se no novo governo.

Cada candidato ouviu as explicações do presidente e de sua equipe econômica e, depois, transmitiu ao público suas opiniões.

Aí, é bom entender as questões de linguagem. Lula, Ciro e Serra disseram a mesma coisa. Concordaram. Teve aquele negócio de colocar, como sufixos, expressões como o culpado é esse modelo econômico equivocado; o culpado é o atual governo; o acordo não é bom, mas tinha de ser feito; se eleito, vou respeitar o acordo, mas vou mudar a política econômica, etc. Exceção de Garotinho, que mais disse do que lhe foi perguntado, destoou dos demais, inclusive pela falta de conteúdo de suas críticas e de base nas soluções que prega. Há de se entender que, salvo José Serra, os demais candidatos são de oposição. Por isso, a linguagem deles tem de parecer de ótica oposicionista, discordante, mesmo que concordando. E satisfazer o seu eleitorado, que esperava alguma coisa contra. Para FHC, e principalmente para o Brasil, os encontros foram altamente positivos, não importam os discursos de linguagem aparentemente diferente. (IEA)

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