Como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso, eleito depois de haver conduzido o Plano Real criado pelo presidente Itamar Franco, Lula começa também a ser acusado de haver praticado estelionato eleitoral. Com relação a FHC, o fato é que o Plano Real deu certo. Certo naquilo a que se propôs, que era acabar com a hiperinflação, embora se tentasse fazer crer que veio para resolver os problemas econômicos, políticos e sociais do País. Por não ter conseguido esse intento, terminou seu segundo mandato com baixa popularidade e perdeu as eleições, não elegendo o seu sucessor. Não houve estelionato eleitoral, com certeza.
Com relação a Lula, a acusação de estelionato eleitoral resulta do fato de que ele, candidato por tantas vezes à Presidência da República, sucessivamente derrotado e líder inconteste do PT, prometeu que, se chegasse à chefia da nação, faria mudanças profundas na economia, na política e priorizaria o social. Seu partido, o dos trabalhadores, como o próprio presidente, por vinte e quatro anos pregou tais mudanças, sustentadas pela ideologia socialista e baseada em pretensos programas e ações que não se concretizam. Nem por isso Lula e o PT praticaram um estelionato eleitoral. Estelionato teria sido se, de propósito, tivessem enganado o povo com promessas e propostas de mudanças que, de antemão, haviam decidido não realizar.
Tudo indica que à pergunta “quem enganou quem?” a resposta correta é que os petistas e o próprio Lula enganaram-se. Eles acreditavam que era possível tudo mudar em curto espaço de tempo, tirando o País do seu modelo de desenvolvimento perverso, que mantém a sociedade dividida em classes sociais e econômicas muito distanciadas. E uma parcela imensa dessa sociedade em estado crônico de miséria. Acontece que, de boas intenções, o inferno está cheio. E com tantas boas intenções, porém cegados por princípios ideológicos muito nobres, mas distantes da realidade e da prática, Lula e os seus correligionários multiplicaram extravagantes promessas. Promessas de “fome zero”, criação de dez milhões de empregos, um Brasil andando pelas próprias pernas, rompendo com o Fundo Monetário Internacional e pondo a correr os credores. Um governo que se dedicaria de corpo e alma ao bem-estar de toda a população, fazendo uma revolução pacífica no espaço de tempo de uma revolução armada.
O governo Lula, que já completou um ano e três meses e caminha, portanto, para a sua primeira metade, nada disso fez. E ainda viu algumas das injustiças sociais que condenava se agravarem e muitos dos problemas para os quais insinuava soluções mirabolantes se multiplicarem. Para o desencanto daqueles que ouviram seus discursos nacionalistas e socialistas, ainda foi obrigado a praticar, durante todo esse tempo, e promete continuar praticando, uma política econômica conservadora. Mais conservadora até do que a praticada pela administração que o antecedeu. Os discursos de Lula, de admirável eloqüência cabocla, sempre recheados de bom humor e otimismo, repetem o reconhecimento de que ninguém enganou ninguém. Lula e os petistas é que se enganaram e, por conseqüência e não vontade, enganaram o eleitorado.
O discurso de Lula, na entrega de veículos ao DNER, foi um doloroso “confiteor”. Ele proclamou, e todos descobriram, que não é Deus. É apenas o presidente da República. E que não pode ou não sabe mudar a política econômica. Nem é capaz de fazer milagres. Os milagres que, com o PT, por 24 anos prometeu.