Que papo é esse de limites?

A importância do estabelecimento de limites como parte essencial do processo educacional tem sido um tema recorrente nas reflexões que tenho procurado realizar aqui nesse espaço, ao ponto de ter ouvido de um dos meus poucos (e heróicos) leitores, que não entendia como se pode pregar (sic) uma educação repressora e falar de marketing ao mesmo tempo.

Como a princípio a relação estabelecida por esse leitor não me ficou muito clara, me pus a refletir. Se não entendi claramente o que me pareceu uma associação de idéias confusa, pelo menos pude perceber que a confusão nasce fundamentalmente de uma falta de clareza dos termos adotados. Tentar esclarecê-los é o meu principal objetivo nesse artigo.

Limite em geral é usado com um sentido negativo, e eu diria até pejorativo, como repressão e proibição. No entanto, acredito que seu sentido vai além: ?… significa a criação de um espaço (e tempo) protegido, dentro do qual o indivíduo poderá exercer sua espontaneidade e criatividade sem receios e riscos, tanto para si como para os outros? (OUTEIRAL, 2003).

A idéia de dar limites deve estar permeada pela idéia de ajudar o outro a organizar sua mente, e, como conseqüência, organizar suas relações com as outras pessoas e com o mundo em geral. Saber até onde posso ir me permite atuar com segurança nesse espaço, e a efetiva liberdade de criar sem que isso possa prejudicar a mim e à minha relação com o outro. O processo de estabelecimento de limites é muitas vezes doloroso e desgastante, e é exatamente isso que lhe confere o sentido de um ato de amor.

Um segundo esclarecimento que se faz necessário é a relação dessa discussão com o sentido da educação. Educar é, segundo a etimologia da palavra, ?colocar para fora?, ou seja, propiciar ao indivíduo as condições necessárias para que ele possa realizar e desenvolver suas potencialidades de forma concreta. Ensinar, ao contrário, vem de in + signo, ou seja, ?colocar signos para dentro do indivíduo?. Justamente porque têm sentidos opostos, educar e ensinar são processos complementares.

É nessa relação entre educação e ensino que se pode entender melhor o papel dos limites. Ninguém nasce sabendo quais são os limites a que está submetido e cabe a nós, pais e educadores, ensinarmos quais são esses limites para que, com isso, seja possível a criação daquelas condições necessárias para a realização do potencial individual, em uma palavra, para que efetivamente ocorra a educação.

A questão é complexa, é certo. Mas não tão complexa que não se possa enfrentá-la. Para tanto, vale tentar entender um pouco mais de onde vem sua complexidade.

As características de constituição individual, acrescida das experiências familiares, serão fortemente influenciadas pelo ambiente escolar, formando assim demais as bases da educação, em um processo cuja natureza é contraditória e conflituosa. As contradições e conflitos nascem das diferenças entre as três dimensões ressaltadas, e administrá-las no sentido de aproveitar ao máximo o que têm de positivo é fundamental para alunos, pais e educadores. O estabelecimento de limites é uma das formas de administração desses conflitos e deve, portanto, abarcar também as três dimensões: indivíduo, família e escola. Ninguém é o mesmo após ser submetido a limites claros. Mas também ninguém é o mesmo depois que consegue cumprir o papel de estabelecer limites. É difícil para todos e, por isso mesmo, todos saem ganhando.

Nesse ponto, acredito que possamos tentar esclarecer o último ponto da possível confusão apontada no início: o que as estratégias de marketing de uma escola têm a ver com tudo isso?

Dentre tantas as funções do marketing na gestão de uma escola está o estabelecimento de uma imagem junto à sociedade, que permita alcançar um nível de credibilidade e confiabilidade capaz que possibilitar a obtenção dos recursos necessários para a sobrevivência e o crescimento da escola. Os recursos a que nos referimos são materiais e financeiros, mas também são simbólicos, e tanto uns como os outros são fundamentais.

Tendo em vista que o processo educacional depende tanto do processo de estabelecimento de limites, e que a escola alcançará seus objetivos tanto mais consiga administrá-los de forma correta junto aos alunos, pais e educadores, tornando-os capazes de suportá-los e superá-los, maior é a necessidade que a escola tem de construir uma imagem perante a sociedade e perante aquelas pessoas que estão diretamente ligadas ao seu campo de ação, que seja útil para criar as condições necessárias ao processo educacional.

Em marketing, esse processo chama-se posicionamento. Uma escola deve dizer claramente a que se propõe e que método utiliza para alcançar o que se propõe. Com isso, estará também dizendo claramente o que é aceitável e não é aceitável em termos de educação, e no limite, que tipo de família e de aluno ela está disposta a ajudar a educar.

Em tempos de disputa tão acirrada por alunos, essa visão pode parecer um tanto inadequada. Mas se a escola conseguir efetivamente realizar isso, estará antes de tudo, aprendendo a lidar com seus próprios limites e criando condições para dar vazão a todo o seu potencial. Estará conseguindo educar-se a si própria.

Ricardo Pimentel é consultor de marketing e professor da UNIFAE – Centro Universitário e da Faculdade OPET (pimentel.ric@uol.com.br).

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