Se essa reforma da Previdência é a panacéia para resolver todos os problemas, como diz e repete o governo, já deveríamos tê-la aprovado no reinado de Fernando Henrique Cardoso. Está, em parte, certa a senadora Heloísa Helena, uma das líderes da ala radical do PT, único núcleo a fazer, por enquanto, oposição de verdade ao comando do companheiro Luiz Inácio Lula da Silva. Afinal, se hoje é importante, ontem também era, mas o PT não gostava de ouvir isso de FHC. Ela quer “passar a limpo” a política econômica do ministro Antônio Palocci, questionar a alta dos juros, barrar a proposta de autonomia ao Banco Central e, de quebra, impedir o desenho ainda mal colocado de reforma previdenciária, que inclui a retirada de privilégios ao funcionalismo público, com a possível taxação dos inativos.
Conta a crônica brasiliense que o debate vai esquentar depois de passado o Carnaval. Não só por conta dos radicais do PT, mas também por iniciativa do funcionalismo público, que já fala em greves, protestos e coisas do gênero. Pelo menos num ponto – a taxação dos inativos, defendida também pelos governadores, na recente Carta de Brasília – a turma de Heloísa tem o apoio de gente de peso, como o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello. Depois de ter advertido que certo tipo de reforma seria possível apenas com revolução, ele volta à tona para lembrar que a suprema corte já rejeitou a contribuição dos inativos no passado e que a Constituição é, ainda, a mesma. “A segurança jurídica – sentenciou o ministro – pressupõe o respeito ao que está estabelecido normativamente.”
As razões da senadora – se é que existem – podem não terminar por aí. Aurélio não se manifestou sobre os juros e a autonomia do BC, nem sobre o Fome Zero que agora se junta ao Mesa Brasil, do Sesc, para engrossar a iniciativa de distribuição de comida. Uma distribuição que causa muitas reclamações, em sua estréia, no Piauí, e faz Lula voltar à cena para repetir pela enésima vez o discurso dos benefícios da alimentação. Já um pouco cansada com o monotema presidencial, a platéia começa a questionar os prejuízos à produção, sobre os quais tanto falou na campanha pelos dez milhões de novos empregos.
Com efeito, juros altos não combinam com crescimento econômico. Nem com geração de empregos. E o governo Lula, além de elevá-los sem enrubescer, comete o equívoco de prometer baixá-los no dia seguinte, talqualmente fazia FHC que, no entanto, continua objeto de duras críticas a cada nova aparição presidencial. Ou nas aparições do ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, que anda dizendo por aí que a herança é muito mais grave do que eles avaliavam na fase de transição. A impressão que se tem é que, à falta do que fazer, gasta-se o tempo criticando os feitos alheios. E isso não resolve nada, assim como também tem pouca importância seu até aqui desconhecido trabalho para evitar uma guerra no Oriente Médio que – Deus nos livre! – pioraria as coisas ainda mais.
Sem poder contar com o apoio incondicional de uma ala do próprio partido e correndo o risco de perder o apoio do aliado Antônio Carlos Magalhães, outra vez atolado em denúncias de bisbilhotices e escutas clandestinas e, ainda, sem uma definição clara do PMDB, o governo Lula carece do principal: maioria no Congresso. Quando o Carnaval passar, saberemos de verdade até onde irão as razões da senadora. O que aí está é pura areia movediça.