No dia 23 de março de 2004, aniversário de cinco anos da Lei n.º 9.790/99, o prazo para as entidades sem fins lucrativos optarem pela qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Ä OSCIP chega ao fim.
Nos termos da referida lei, no prazo de cinco anos a partir de sua publicação era permitida a simultaneidade entre a qualificação como OSCIP e outros títulos que tivessem sido outorgados à entidade (Título de Utilidade Pública e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social). Antes do término deste prazo, que ocorre no próximo dia 23 de março, as entidades que tenham sido qualificadas como OSCIP e que detinham outros títulos devem se manifestar optando expressamente pela manutenção de sua qualificação como OSCIP, sob pena de perder automaticamente esta qualificação.
Ao optar pela qualificação como OSCIP no prazo indicado, a entidade perde os demais títulos e qualificações que lhe haviam sido outorgados anteriormente; da mesma forma, a entidade que solicitar e obtiver sua qualificação como OSCIP após 23 de março não poderá mais se caracterizar como entidade detentora do título de utilidade pública e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social.
Isto importa em dizer que o prazo de cinco anos previsto na Lei n.º 9.790/99, de evidente intuito experimental, tem como característica a manutenção temporária da compatibilidade da qualificação como OSCIP com o Título de Utilidade Pública e o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, findo o qual estas qualificações são excludentes.
Não obstante o prazo concedido legalmente para que as entidades “experimentassem” a qualificação como OSCIP – que, aliás, era de dois anos antes da sua prorrogação, que ocorreu através da Medida Provisória n.º 2.143-33, de 31/05/2001 Ä, é de se observar que o objetivo da legislação ainda não foi alcançado. Mesmo com o crescente número de entidades que têm obtido a qualificação (conforme tabela abaixo), já se vão cinco anos sem que o “conceito OSCIP”, ou seja, o teor, os benefícios, as características plenas desta qualificação tenha se difundido.
Com o intuito de auxiliar na compreensão deste tema, mormente orientando os dirigentes de entidades sem fins lucrativos para a avaliação das conseqüências da opção pela qualificação como OSCIP, passemos a traçar alguns apontamentos.
O que é uma OSCIP? OSCIP é a sigla para Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, qualificação criada pela Lei n.º 9.790/99 em prol de determinadas entidades sem fins lucrativos e que as diferencia das demais por conta de certas características.
O que é a qualificação da entidade como OSCIP? A qualificação da entidade como OSCIP significa o seu enquadramento, mediante aprovação do Ministério da Justiça, no regime legal previsto na Lei n.º 9.790/99, hipótese em que lhe será concedido certificado de qualificação como OSCIP.
Quais entidades podem se qualificar como OSCIP? Em linhas gerais, podem se qualificar como OSCIP as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos (ou seja, que não distribuem lucros e aplicam os excedentes de sua atividades integralmente em seu objeto social) que desenvolvam uma das seguintes atividades: assistência social, cultura, patrimônio histórico e artístico, promoção gratuita da educação ou da saúde, segurança alimentar, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, voluntariado, desenvolvimento econômico e social, combate à pobreza, novos modelos sócio-produtivos, assessoria jurídica gratuita e promoção de direitos, pesquisa e tecnologia. Além disso, o estatuto da entidade deverá preencher requisitos previstos na Lei n.º 9.790/99, expressamente dispondo sobre, por exemplo, a adoção de práticas de repressão às tentativas de obtenção de vantagens pessoais, normas mínimas de prestação de contas, forma de remuneração dos dirigentes, etc.
Quais pessoas jurídicas não podem se qualificar com OSCIP? Não podem se qualificar como OSCIP, por expressa determinação da Lei n.º 9.790/99, as seguintes pessoas jurídicas: sociedades comerciais, sindicatos e congêneres, instituições religiosas e congêneres, partidos políticos e congêneres e suas fundações, entidades de benefício mútuo, empresas de plano de saúde e congêneres, hospitais privados não-gratuitos, escolas privadas não-gratuitas, organizações sociais, cooperativas, fundações públicas, fundações, entidades criadas por órgão público ou por fundação pública, organizações creditícias vinculadas ao sistema financeiro.
Como obter a qualificação? Tendo a entidade se enquadrado nos requisitos anteriormente demonstrados (ser pessoa jurídica sem fins lucrativos que desenvolva uma das atividades autorizadas a serem qualificadas como OSCIP e que observem os requisitos formais em seus estatutos), deverá formular pedido por escrito ao Ministério da Justiça, instruído com os seguintes documentos: estatuto registrado em cartório; ata de eleição de sua atual diretoria; balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício; declaração de isenção do imposto de renda; inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes. Da data de protocolo do requerimento junto ao Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional da Justiça terá 30 dias para se manifestar, deferindo ou indeferindo o pedido. Tendo sido deferido, no prazo de 15 dias deverá ser emitido o Certificado de Qualificação como OSCIP. Sendo indeferido, a entidade poderá reapresentar o pedido a qualquer tempo.
Quais são os benefícios da qualificação como OSCIP? A grande inovação proposta pela Lei n.º 9.790/99 (Lei das OSCIP) foi a instituição dos chamados Termos de Parceria, possibilitando que as entidades qualificadas como OSCIP firmem acordos de cooperação com o Poder Público. Além disso, sem prejuízo do direito às imunidades tributárias, as OSCIPs podem remunerar seus dirigentes e receber doações dedutíveis do IR devido pelas pessoas jurídicas doadoras.
O que são e como funcionam os Termos de Parceria? Os termos de parceria são efetivos acordos firmados entre as OSCIPs e o Poder Público, em que são definidos os direitos, as obrigações e as responsabilidades das partes acordantes, conforme previsão da Lei n.º 9.790/99. Têm por objetivo, sempre fundados na transparência administrativa, permitir a utilização de recursos públicos em projetos a serem desenvolvidos pelas OSCIPs. Estes projetos são previamente aprovados pelo órgão do Poder Público signatário do termo de parceria, com base em critérios objetivos previstos legalmente e outros requisitos, tais como o pré-estabelecimento de metas e a prestação de contas.
Esta última deve ser documentada com o seguinte: relatório anual de execução de atividades, demonstração de resultados do exercício, balanço patrimonial, demonstração das origens e aplicações de recursos, demonstração das mutações do patrimônio social,notas explicativas das demonstrações contábeis e parecer e relatório de auditoria (quando o montante de recursos for superior a R$ 600.000,00, em um ou na soma de vários termos de parceria da mesma entidade). Além disso, a prestação de contas deve apresentar relatório comparativo das metas e resultados do projeto, demonstrativo integral de receitas e despesas do projeto e extrato da execução física e financeira do projeto (em que constam todos os dados do projeto, publicado anualmente, conforme exigência da Lei n.º 9.790/99). Os projetos das OSCIPs deverão passar por processo de classificação levado a efeito pelo órgão do Poder Público parceiro, mediante procedimento de seleção que avalie a adequação dos projetos ao objeto do concurso.
As OSCIPs gozam de imunidade tributária pela simples qualificação como tal? Não. As únicas entidades que gozam de imunidade tributária, independentemente de serem qualificadas como OSCIP ou não, são as entidades de educação, as entidades de assistência social e as entidades beneficentes de assistência social. As entidades de educação e de assistência social são imunes aos impostos que recaem sobre seu patrimônio, suas rendas e seus serviços. Já as entidades beneficentes de assistência social são imunes a contribuição para a seguridade social. Assim, se a OSCIP se caracterizar como entidade de educação, de assistência social ou beneficente de assistência social, poderá gozar de imunidade tributária caso se adeque a determinados requisitos previstos legalmente.
O que significa a possibilidade de a OSCIP remunerar seus dirigentes? Não obstante a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional assim não disporem, a Lei n.º 9.532/97 impõe como condição para o gozo da imunidade tributária a impostos destinada às entidades de educação e de assistência social a ausência de remuneração de seus dirigentes. É, a nosso ver, dispositivo ilegal e inconstitucional.(1) Da mesma forma, a Lei n.º 9.249/95, que permite a dedução das doações feitas a entidades civis sem fins lucrativos do Imposto de Renda das pessoas jurídicas doadoras, impõe como requisito a apresentação de declaração da entidade receptora da doação dando conta de que não remunera seus dirigentes. Estas condições seriam impostas às OSCIPs, limitando a fruição da imunidade e o recebimento de doações, não fosse a Lei n.º 10.637/02 afastá-las. Isto significa que as OSCIPs podem remunerar seus dirigentes pelo cargo exercido (desde que não em valor bruto superior ao limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo Federal), sem correr o risco de ver discutida sua imunidade a impostos e sem entraves ao recebimento de doações dedutíveis do IR.
Por que a possibilidade de receber doações dedutíveis do Imposto de Renda é considerada benefício para as OSCIPs? Primeiramente, é importante dizer de onde vem este benefício em favor das OSCIPs. As doações feitas a OSCIPs a partir de janeiro de 2001, de acordo com a Medida Provisória n.º 2.113-32, podem ser deduzidas do IR pela pessoa jurídica doadora. Era previsão que, de modo geral, já contemplava as doações a entidades civis sem fins lucrativos, mas que passou a abarcar expressamente as OSCIPs a partir da edição desta Medida Provisória. Este dispositivo é considerado um benefício para as OSCIPs por fomentar a doação em seu favor, ao possibilitar a dedução dos valores doados por pessoa jurídica de seu Imposto de Renda.
Estas as breves considerações que tínhamos a apresentar, com o intuito de auxiliar na definição do regime jurídico a ser adotado pelas entidades sem fins lucrativos.
À guisa de conclusão, é importante ressaltar dois aspectos que consideramos imprescindíveis. A uma, a necessidade de que se dê efetividade aos termos da Lei n.º 9.790/99, difundindo e consolidando o regime jurídico das OSCIPs para que as entidades sem fins lucrativos conheçam seus termos e possam optar pelo regime jurídico que lhes aprouver. A duas, entendemos de bom senso nova prorrogação do prazo para opção pela qualificação como OSCIP para aquelas que já a obtiveram, justamente com a finalidade de lhes permitir a análise aprofundada das conseqüências de referida opção.
(1) Sobre o assunto, ver nossa obra: SOUZA, Leandro Marins de. Imunidade tributária: entidades de educação e assistência social, Curitiba : Juruá, 2001.
Leandro Marins de Souza é mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR com a dissertação “Tributação do Terceiro Setor no Brasil” e advogado em Curitiba. E-mail: lms@mbe.adv.br.
