A nossa legislação processual penal prevê procedimento denominado de incidente, apenas para os casos de falsidade documental, não disciplinando questões relacionadas com prova ilícita, apesar de ambas terem o mesmo efeito para o processo, não servindo nem mesmo para darem início à persecução criminal.
O advogado Elias Mattar Assad trouxe esta questão em debate perante a Justiça, valendo-se do procedimento de incidente de falsidade, cujo fundamento principal desta opção cingiu-se no fato de que não há previsão legal para tal insurgimento.
Com razão o causídico, tanto relativamente à necessidade desta questão ser resolvida antes de iniciada a ação penal quanto ao procedimento escolhido.
Relativamente a necessidade de ser definido cuidar-se, ou não, de prova lícita ou ilícita, antes de iniciada a ação penal, ou antes de ser proferida sentença, trata-se de providência indispensável, haja vista que sem esta definição pode, no caso concreto, ocorrer cerceamento de defesa em razão da falta de definição dos pontos controvertidos a serem enfrentados de maneira dirigida.
Explico. O réu se defende dos fatos, os quais devem ser comprovados pela acusação através de provas.
O acusado pode fazer a sua defesa pessoal no seu interrogatório, e para que seja completa, deve levar em consideração todo o conjunto probatório. Inclusive em razão da valoração da prova deve, juntamente com a defesa técnica, estudar a melhor versão defensiva capaz de demonstrar probabilidade de sucesso, e caso as provas assim não recomendem, escolher a confissão, ou até mesmo a delação premiada, para ser beneficiado ao final do processo.
Esta opção em termos de defesa ampla somente é possível de ser escolhida depois de definida a licitude, ou não, da prova carreada para os autos.
Também, o acusado pode arrolar até oito testemunhas, as quais devem ser escolhidas para comprovar determinado(s) fato(s), ou para contraporem-se a fato(s) provado(s) pela acusação. Observe-se que este é o número máximo de testigos possível de serem indicados por cada acusado, na condição de testemunha da defesa.
Assim, no caso da defesa ter que centrar tais armas (arrolar até oito testemunhas) para contrapor-se a fatos que posteriormente sejam reconhecidos como provados através de provas ilícitas, e no caso de existirem outros fatos que configurem ilícito penal, provados através de prova lícita, terá ela gastado munição contra alvo que não existia.
Isto implica em agressão ao contraditório, porquanto foi imposto á defesa fatos processualmente inexistentes, porque produzidos através de provas ilícitas, enquanto poderia concentrar suas forças sobre fatos que efetivamente se encontrem demonstrados em conformidade com a exigência legal.
Por outro lado, configura cerceamento de defesa na medida em que o acusado arrola testemunhas para contrariar fato demonstrado pela acusação através de prova ilícita, quando poderia indicar outros testigos para contrapor-se a fatos demonstrados através de provas lícitas.
Porquanto, o início da persecução criminal na fase judicial, sem antes estar definida a licitude, ou não, das provas utilizadas pela acusação para comprovar a imputação ao acusado, implica em maltrato aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
E qual seria o procedimento para resolver esta questão, antes ou durante a fase de instrução criminal?
Como já dito, não há previsão legal para esta circunstância. O nosso Código de Processo Penal prevê apenas procedimento para fins de analisar a falsidade de documento (arts. 145 a 148), e não a licitude ou não da prova.
Considerando a efetiva necessidade desta questão ser resolvida, conforme atrás vimos, e a falta de expressa previsão legal, pensamos que a solução seja a interposição de incidente de falsidade.
Na eventualidade do julgador a quo indeferir dito pedido, pensamos que esta decisão pode ser questionada através de correição parcial ou mesmo habeas corpus.
O que não se pode admitir é deixar os acusados em geral, reféns de provas ilícitas, capazes de lhes render processo criminal, sem conferir instrumento legal capaz de debater a licitude, ou não, da prova.
Pode-se até argumentar que esta matéria poderá ficar definida na sentença, após a instrução do feito. Isto realmente é verdade, entretanto, conforme atrás demonstramos, poderá implicar em prejuízo para a defesa. Além disso, se a prova do fato imputado ao acusado for ilícita, configura constrangimento ilegal a persecução criminal nestas circunstâncias.
Por outro lado, não se pode exigir do acusado que se sujeite a um processo penal cuja prova do fato seja colhida através de procedimento ilícito, haja vista que ela jamais poderá sustentar decreto condenatório.
Neste diapasão é de ser considerado que para as pessoas de bem um processo penal causa conseqüências (e seqüelas), com sofrimento, tal qual uma condenação, razão pela qual não é lícito dar seqüência a uma persecução criminal embasada unicamente em prova com duvidosa licitude, seja quanto ao seu conteúdo ou forma de produção.
A propósito, neste momento verifica-se o trâmite de inúmeros procedimentos criminais embasados em prova de licitude questionável, em especial aquelas acobertadas de sigilo, havendo por isso necessidade de ser conferido instrumento legal para resolver esta questão, fora do processo criminal principal.
Neste particular observa-se que o Estado não tem interesse em acusar e processar pessoas com base em prova ilícita, e há efetiva violência contra acusados promover processos através destas provas, sendo inclusive tal sofrimento passível de reparação de dano moral face o sofrimento sofrido pelo imputado.
Diante desta análise pensamos que o caminho para aferir a licitude, ou não, da prova que embasar imputação penal, quando ainda não tiver sentença, é o incidente de falsidade, devendo neste caso suspender-se a persecução criminal até o julgamento do incidente, dentre outros motivos, pelo fato de que a dúvida deve ser aplicada em favor do acusado, assim como a tão decantada economia processual.
Jorge Vicente Silva é advogado, professor de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas, da Escola Superior da Advocacia (ESA), Pós-Graduado em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, ?Tóxicos – Análise da nova lei?, ?Manual da Sentença Penal Condenatória?, e no prelo ?Crime Fiscal – Manual Prático?. jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br; advocacia@jorgevicentesilva.com.br?, jorgevicentesilva.com.br?