No protesto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não viu, cerca de mil manifestantes trancaram hoje uma das pistas da Avenida Padre Cacique, diante do Ginásio Gigantinho, em Porto Alegre, e passaram a manhã gritando palavras de ordem e discursando contra a política econômica do governo federal. Também queimaram uma bandeira norte-americana e um boneco imitava a figura de Lula, sob os gritos de "traidor".

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No momento mais tenso, um grupo arrancou uma tela de arame da cerca, ameaçando enfrentar os policiais para invadir o terreno do complexo esportivo do Sport Club Internacional.

A manifestação começou às 8h30, quando o presidente ainda estava no hotel, e terminou ao mesmo tempo em que Lula encerrava o discurso e saía do ginásio pelo portão dos fundos, longe dos olhos dos admirados e ex-aliados. No início, cerca de 300 integrantes do Psol, dos Movimentos Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) e Socialista dos Trabalhadores (MST), da Argentina, e de organizações estudantis usavam o sistema de som instalado numa Kombi para falar da "decepção" com o presidente aos milhares de simpatizantes que aguardavam na fila para entrar no Gigantinho.

O trabalhador rural Lourival Soares da Silva, do MTL, lembrou que, em 1982, recebeu Lula em sua casa, em Ituiutaba (MG). "Em 1990, ele voltou lá e disse que, no dia em que fosse eleito, a primeira coisa que faria seria a reforma agrária", ressaltou. "Hoje, ele tem de esconder-se do povo, como está fazendo agora."

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O estudante Augustin Varella, da Federação Universitária de Buenos Aires, também comparou dois tempos distintos. "Em 2003 Lula falou para a multidão, em praça pública, e hoje vai falar lá dentro, fechado, enquanto a polícia reprime aqueles que ele traiu", discursou.

A manifestação ganhou força uma hora depois, com a chegada dos militantes do PSTU e de um caminhão com um sistema de som mais potente.

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Enquanto os dirigentes combinavam quem falaria no protesto, um poeta anônimo pedia para declamar os versos, afirmando que "Deus é um mercenário" e que "é preciso destruir o monopólio divino".

O deputado João Batista Oliveira de Araújo (Psol-PA), o Babá, também citou o Fórum Social Mundial (FSM) de 2003, quando o presidente era aplaudido por representar a esperança, para mostrar a diferença entre aqueles dias e hoje. "Se ele (Lula) tivesse vergonha na cara, não baixaria aqui", afirmou. "Aqui, estão os que querem um mundo melhor e não o pagamento da dívida externa." A deputada Luciana Genro (Psol-RS) também criticou o governo por não combater a fome e o desemprego.

Entre discursos irados e palavras de ordem, o ato seguiu acusando Lula, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) de "traidores e pelegos". A figura do presidente com a palavra "traidor" escrita na faixa presidencial, que o PSTU havia usado na Marcha da Paz, na abertura do Fórum, foi queimada, com uma bandeira dos Estados Unidos.

Pouco depois, houve um tumulto no portão 1 do Gigantinho. O protesto parou e os olhares voltaram-se para a cena em que alguns soldados da Brigada Militar arrastavam dois manifestantes para fora do ginásio. Soube-se depois que eles estavam entre os militantes de um grupo cearense denominado Crítica Radical, que tentou jogar objetos como garrafas plásticas de água sobre a platéia que ouvia Lula. A polícia identificou os dois como Robson José Feitosa de Oliveira e Verônica Maria Rodrigues de Souza, confirmando que eles são cearenses, e liberou-os porque ninguém apresentou queixa.

Na rua, os manifestantes tentaram defender Oliveira e Verônica. Centenas de pessoas puseram-se diante do muro e ameaçaram escalar a parede de um metro de concreto, mais um metro de tela e uma proteção de arame farpado para enfrentar o cordão que os policiais haviam formado, e invadir o pátio. Conseguiram arrancar 15 metros de tela.

Foram contidos pelos gritos do presidente nacional do PSTU, José Maria de Almeida, que, do alto do caminhão do som, pediu para ninguém entrar, lembrando, até mesmo que não adiantaria "passar para apanhar".

A multidão aceitou a proposta de trocar a ira por mais uma vaia ao presidente. Pouco depois do meio-dia, enquanto Lula se despedia da platéia, os manifestantes da rua encerravam o ato e dividiam-se.

Os do PSTU seguiram até um centro esportivo na zona sul, onde teriam uma reunião à tarde. Os do Psol, MTL e MST, em bloco tomaram o rumo do centro da capital gaúcha.