Protagonistas e violência no trânsito

Os interlocutores sociais do cenário nacional das vias terrestres, grande parte, certamente, ainda não reservaram uma unidade de tempo para fazer uma prudente reflexão que pode salvar vidas e prevenir mutilações à integridade psicofísica humana no trânsito. Por que condutores, pedestres e passageiros deixam de agir com as cautelas normais antes de transformarem-se em vítimas ou ofensores da lei com trágicas conseqüências no trânsito?

1. Quem são os protagonistas da violência no trânsito? Provas estatísticas, técnicas, jurídicas e científicas apontam quatro protagonistas de acidentes de trânsito: a) o ser humano, principal que contribui com mais de 90% da culpa; os outros são: b) veículo; c) vias terrestres; d) ambiente objetivo, que participam com menos de 10% da violência no trânsito destruindo sonhos todos os dias(1).

2. Quem é o ser humano no trânsito? O ser humano é constituído de corpo, alma e sentimento; dotado de consciência e razão, capaz de pensar e conhecer o CTb Código de Trânsito brasileiro, ver e respeitar a sinalização nas vias terrestres, entender o significado do bem e do mal; do certo e do errado. O Brasil, com 8.514.876,6 km2, população de 191.016.955 habitantes (fonte: www.ibge.gov.br – estimativa no dia da descoberta do Brasil, em 22/4/2009), rico em modelo jurídico de conduta, isto é, definido em lei. Todos precisam de utilizar e conviverem em harmonia no trânsito.

3. Frota de Veículos no Brasil e Ranking no Mundo. O Ranking de automóveis e comerciais leves no Brasil, em 2002, era de 1.390.144, ocupava o 10.º lugar entre os 20 países maiores produtores do mundo. Em 2008, alcançou o 6.º lugar com 2.671.316 veículos. Só ultrapassado pelos Estados Unidos, com 13.221.150, em 1.º lugar; seguido pela China, com 6.492.553, 2.º; Japão, com 5.060.639, 3.º; Alemanha, com 3.316.310, 4.º e Rússia, com 2.923.540, em 5.º lugar. Mas ganha da França, com 2.510.555, Inglaterra, Itália, Índia, Canadá, Espanha, Coréia, México, Austrália e outros, consoante o Anuário 2008 da Fenabrave(2). Os espaços físicos das ruas, avenidas urbanas e estradas rodoviárias, basicamente, continuam os mesmos há 20 anos. Como resolver os desafios constantes do aumento de veículos e população de 2009?

4. Estatística. Custo Social e Consequências dos Acidentes de Trânsito. A Organização Mundial da Saúde, aponta que aproximadamente 50% das vítimas mortais por acidentes de trânsito são jovens, entre 15 e 44 anos. Segundo a NOS, o número de mortos como conseqüência de lesões em acidentes de trânsito aumentará de 5,1 milhões em 1990 para 8,4 milhões em 2020. Essas lesões, atualmente são responsáveis por 2,2% da mortalidade mundial de todos os grupos de idade, segundo a Apatru(3).

No Brasil, conforme informações contidas na Política Nacional de Trânsito do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran, 2004), a cada ano mais de 33 mil pessoas são mortas e cerca de 400 mil ficam feridas ou inválidas em ocorrências de trânsito. Estudo desenvolvido em 2003 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ipea em parceria com a Associação Nacional de Transportes Públicos ANTP e o Departamento Nacional de Trânsito -Denatran, com a finalidade de mensurar o custo social decorrente de acidentes de trânsito em aglomerados urbanos, aponta um custo social anual da ordem de 5,3 bilhões de reais. Projetando-se esse valor para incluir os acidentes ocorridos nas vias rurais estima-se um custo social total anual da ordem de 10 bilhões de reais (Ipea-ANTP, 2003).

O Brasil configura-se no cenário mundial entre os países com maiores índices de vitimas fatais em acidentes de Trânsito, deixando grande número de incapacitados para o exercício de qualquer atividade, bem como, provocando vultosos prejuízos materiais, constituindo-se assim, a violência no Trânsito, inegavelmente, em um dos principais problemas que afligem a sociedade brasileira, conforme dados do Ibdvat(4).

As conseqüências dos acidentes de trânsito são trágicas. Modesto de Julyver, enfatiza: “Apesar de os acidentes de trânsito ceifarem milhares de vidas e consumirem milhões de reais anualmente no Brasil, suas consequências são sentidas de forma mais contundente apenas por aqueles que são diretamente atingidos por tais eventos. Enquanto isso, a mesma sociedade que se mostra estarrecida com a queda de aviões ou com a crescente onda de violência queda-se inerte diante das perdas diárias no caótico trânsito. É preciso repensar a maneira como encaramos os acidentes de trânsito: meras fatalidades, ocorrências independentes da vontade humana ou produtos das irresponsabilidades dos usuários da via pública? É preciso avaliar a parcela de culpa de cada um dos envolvidos, sejam motoristas, motociclistas, ciclistas, condutores de veículos de tração animal ou pedestres. A própria nomenclatura que ainda perdura em nosso país e tem sido combatida por vários especialistas merece ser realmente reavaliada. Afinal, quando se utiliza a expressão “acidente de trânsito” (conceituada em norma brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas, de 1989) a ideia que se tem é a de que o envolvido não passa de vítima de algo que não poderia ser evitado, um infeliz acidente. É justamente a busca dessa reflexão, por parte daqueles que se envolvem nas perdas diárias do trânsito, que se procurou atingir com o artigo 160 do atual Código de Trânsito Brasileiro (CTB), exigindo-se que o condutor condenado por delito de trânsito seja submetido a novos exames para que possa voltar a dirigir, obrigatoriedade que também pode ser imposta ao condutor envolvido em acidente grave, a juízo da autoridade executiva estadual de trânsito, assegurada ampla defesa ao condutor)(5) (grifa-se).

5. Qual o conceito da acidente grave de trânsito? A Resolução N.º 300, de 4/12/2008, em vigor a partir de 1/7/2009, estabeleceu novas normas para aplicação do CTb, art. 160, exigindo avaliação de aptidão física, mental, psicológica, comportamento e a forma de dirigir do condutor que se envolva em acidente grave ou for condenado por crime de trânsito. A autoridade de trânsito encontra na norma jurídica em tela, todos os detalhes seguros e claros para promover o ato instaurador do processo administrativo de apreensão da carteira ou permissão de habilitação, do veículo e a submeter o condutor aos novos exames e registros nos órgãos e entidades que integram o SNT Sistema Nacional de Trânsito. Todas as normas definidas no CTb, arts. 160 a 255, agravantes do 298, são infrações que se resultar perigo à vida, à integridade psicofísica humana ou causar risco aos princípios da segurança do trânsito e os crimes tipificados nos arts. 302 a 312, resultando ou não em condenação, caracterizam acidentes graves, com efeito, a aplicação da Resolução 300/2008, assegurando-se o contraditório e ampla defesa constitucional (CF, art. 5.º, LV).

6. Quais os crimes de trânsito e a diferença entre homicídio doloso e culposo? Os crimes de trânsito são definidos no CTb, arts. 302 a 312. Em síntese, destaca-se: homicídio e lesão corporal culposa, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia sem a vontade de matar ou produzir lesão corporal em alguém; mas a caracterização da culpa stricto sensu é necessário que o evento seja previsível, i. é, que exista a possibilidade do agente prever o resultado de sua ação ou omissão. O homicídio doloso direto, quando o condutor quer o resultado criminal. Ex.: usa o veículo como arma para matar alguém. O dolo eventual, quando ele assume o risco de produzir o resultado criminal, ou seja, quando o agente pode antever perfeitamente e, ainda assim, assume o risco de um acidente, quase sempre grave, como a morte, lesão corporal, danos materiais e morais. O Agente que praticar homicídio doloso, sujeita-se a julgamento pelo Tribunal do Júri, competente para decidir os crimes contra a vida.

Outros crimes de trânsito: omissão de socorro à vitima; afastar-se do local do acidente para fugir à responsabilidade penal ou civil; conduzir veículo na via pública com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determina dependência; violar a suspensão ou proibição da habilitação para dirigir veículo; disputar “racha” ou participar, na direção de veículo automotor ou competição não autorizada; dirigir sem ou com habilitação cassada ou suspensa; permitir, confiar ou entregar a direção de veículo à pessoa não habilitada, cassada ou direito de dirigir suspenso; trafegar em alta velocidade ou incompatível com a segurança para o local; inovação artificiosa do local do acidente, na pendência de procedimento ou inquérito policial, a fim de induzir a erro o agente policial, o perito, ou juiz.

7. Qual a definição de negligência, imprudência e imperícia no trânsito? Imprudência, é o agir para violação de dever ou norma de trânsito. Ex.: fazer manobra perigosa ou ultrapassar outro veículo colocando em risco a segurança do trânsito. Negligência, é a omissão ou ausência de cuidado, a quebra de um dever de cuidado no trânsito. Ex.: o motorista que antes de colocar o veículo em circulação nas vias públicas, omite ou deixa de verificar as condições de segurança e bom funcionamento dos equipamentos de uso obrigatório e existência de combustível suficiente para chegar ao destino; deixar de reduzir a velocidade do veículo após ver a presença da vítima. Imperícia, consiste na incapacidade ou falta de conhecimento para domínio do veículo em via pública.

8. Semana Nacional de Trânsito 2009. Para compartilhar o espaço das vias terrestres é necessário que as pessoas façam uma reflexão, tendo presente a Semana Nacional de Trânsito 2009 com o tema: “Educação no Trânsito”, definido pelo Denatran aos órgãos e entidades do SNT, focando os valores de respeito, gentileza, cooperação, colaboração, tolerância, solidariedade e amizade, entre outros tão importantes ao trânsito seguro e harmônico.
Conclusão. Só se alcançará a cultura da paz no convívio pacífico no trânsito, se mobilizar todas as forças sociais organizadas civis, militares; os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; Ministério Público; apoio dos órgãos de comunicações e seus profissionais; instituições religiosas, familiares, educacionais, culturais, entre outras: fontes de modelo de conduta, para um novo pacto antiviolência no trânsito; ver que a tribuna de defesa da vida, integridade psicofísica, cidadania, dignidade humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, é a mais nobre da humanidade. O trânsito é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do SNT Sistema Nacional de Trânsito (CTb, art. 2.º, § 2.º). Nada custa, não se precisa de processo ou fórmula mágica para exercê-la. Para triunfar basta, apenas, a união de todos, a vontade de pensar grande e querer.

Notas:

(1) SANTOS, Altamiro J. dos. Direito Civil do Trânsito Responsabilidade & Danos: Material, Moral, Psicofísico, Estético, Social, Trabalhista, Acidentário e Ambiental. São Paulo, LTR Editora Ltda., 2003, pp. 145-148.
(2) Fenabrave Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automóveis Anuário 2008 -Fonte: http:// www.fenabrave.com.br acesso em 7/8/2009.
(3) Apatru – Associação Preventiva de Acidentes e de Assistência às Vítimas de Trânsito. Acidentes de Trânsito e Fator Humano. Data: 30/12/2008. Fonte: http://www.apatru.org.br/sites/institucional- 002/interna1.asp? dados=1:1:21:4:13:492 acesso em 6/7/2009.
(4) Instituto Brasileiro de Defesa das Vítimas de Acidentes de Trânsito. Fonte: http://www.idpvat.org.br/-acesso em 6/7/2009.
(5) JULYVER, Modesto de. Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e presidente da Abptran -Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito (Abptran). É hora de repensar os acidentes de trânsito. Jornal da Tarde – SP Opinião – 26/6/2009.
Fonte: http://abetran.org.br/index. php?option=com-content&task= view&id=8909&Itemid=2 acesso em 6/7/2009

Altamiro J. dos Santos é jurista. Advogado. Economista. Professor Universitário. Bel. Ciências Sociais e Letras Português/Espanhol Tradutor e Intérprete. Conviviólogo Jurídico. Pós-Graduação em Direito – Metodologia do Ensino Superior e Espanhol/Especialista. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional Instituto dos Advogados do Paraná e Sociedade Brasileira dos Advogados Criminalistas.

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