Todos os possuidores de armas ilegais foram beneficiados (?anistiados?) pelo Estatuto do Desarmamento, livrando-se de qualquer tipo de responsabilidade criminal. Três foram as ?anistias? contempladas no texto legal:

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(a) no art. 30 aparece a primeira modalidade de ?anistia? em relação às armas de fogo não registradas, mas adquiridas licitamente: podem seus proprietários solicitar o registro, livrando-se da responsabilidade criminal;

(b) no art. 31 acha-se a segunda espécie de ?anistia? aos possuidores e (ao mesmo tempo) proprietários de armas de fogo não registradas, mas adquiridas licitamente: caso não queiram registrar a arma, podem entregá-la para a Polícia Federal, a qualquer tempo, mediante recibo e indenização;

(c) no art. 32 foi contemplada a terceira forma de ?anistia? aos possuidores e (ao mesmo tempo) proprietários de armas de fogo não registradas (e adquiridas licitamente ou não): podem entregar a arma (de uso permitido ou restrito, porque a lei não distingue) para a Polícia Federal, mediante recibo e, presumida a boa-fé, poderão ser indenizados.

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Detalhe importante: tais anistias só beneficiam os ?possuidores? de arma de fogo, leia-se, quem possui arma em sua residência ou em sua empresa (nesta última hipótese, só o proprietário desta é que foi beneficiado). Não se pode confundir posse com porte de arma: a posse (em residência ou empresa) está anistiada; já o porte (arma fora da residência ou da empresa) não conta com nenhum favor legal.

Entre castigar penalmente quem se encontra com arma ilegal em residência ou em empresa (sendo seu proprietário), de um lado, e, de outro, estimular o seu possuidor e proprietário a registrá-la ou entregá-la para a Polícia Federal, para efeito de sua destruição (art. 32, parágrafo único, da citada lei), a preferência muito clara recaiu sobre a última conduta.

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Durante seis meses, contados da edição do regulamento da Lei 10.826/03, vigoraram as ?anistias? acima descritas. Mais de 200 mil armas foram recolhidas pelo Estado. O prazo expirou em dezembro último (dia 23).

Considerando que continua presente o objetivo do governo brasileiro de desarmar a população, na Medida Provisória 229, de 17 de dezembro de 2004 (art. 5.º), foram prorrogados os prazos previstos nos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/03, tendo por termo final o dia 23 de junho de 2005. Em outras palavras: até essa data continuam as ?anistias? dos arts. 30 e 32 (recorde-se que a do artigo 31 não tem nenhum limite temporal). Ninguém pode ser preso ou processado por ter arma ilegal em casa ou na empresa (sendo o seu proprietário): todos esses possuidores contam com o direito de registrar ou entregar tais armas para a Polícia Federal até o dia 23 de junho de 2005, porque as anistias do Estatuto do Desarmamento (arts. 30 e 32) foram prorrogadas.

Mais uma vez estamos diante de um benefício penal concedido por Medida Provisória. E isso é possível? Sem sombra de dúvida sim (STF, RE 254.818-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence). Medida Provisória não pode criar crime nem pena. Não pode prejudicar o réu em absolutamente nada (CF, art. 62), mas favorecer pode. Aliás, para favorecer o réu, em Direito penal, admitem-se inclusive a analogia e os costumes.

Toda Medida Provisória, em suma, que cuide de matéria que afete de alguma maneira o ius puniendi, em benefício do réu, conta com respaldo constitucional. Nada há de anormal ou irregular nisso. Em Direito penal sempre prevalece o favor rei. De outro lado, por força da teoria da tipicidade conglobante de Zaffaroni, o que está autorizado ou fomentado por uma lei não pode estar proibido por outra.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito penal pela USP, secretário-geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista e diretor-presidente da Rede de Ensino PRO OMNIS (1.ª Rede de Ensino Telepresencial da América Latina – www.proomnis.com.br)