Não há como discordar da explicação encontrada pela ex-senadora franco-colombiana Ingrid Bettancourt, resgatada por um grupo de militares após anos de cativeiro em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). ?Foi uma ação verdadeiramente cinematográfica?, resumiu ela ainda sob o impacto emocional de sentir-se em liberdade e poder abraçar e beijar a mãe, o marido e os filhos.
Até mesmo para a mídia internacional, que acompanha o drama de Ingrid e dos demais cativos das Farc desde muitos anos, sobretudo pelo lamentável envolvimento da Colômbia com o narcotráfico e sua inevitável inserção na vida cotidiana de milhares de pessoas recrutadas para servir de massa de manobra dos principais cartéis da cocaína, dentre eles os próprios integrantes da guerrilha, está sendo um exercício penoso encontrar em meio à sarabanda de informações desencontradas, as respostas plausíveis para a elucidação da história.
De uma coisa, entretanto, todos poderão ter certeza. O resgate de Ingrid Bettancourt e mais alguns companheiros de desdita em mãos da organização que supostamente luta pela liberdade da Colômbia é uma demonstração cabal do provável clima de instabilidade diretiva, insegurança e conflitos de interesse instalado entre dirigentes e milicianos das Farc. É possível imaginar que depois de tantos anos de ação clandestina, em muitos episódios planejados simplesmente para atrair a atenção dos meios de comunicação, a cúpula da guerrilha tenha entrado em franco declínio, agravado pelas mortes do comandante Manuel Marulanda e Raul Reyes, o número dois na hierarquia revolucionária.
Sensação semelhante é compartilhada por vários analistas e estudiosos da situação política do país vizinho, cuja seriedade procede dos vínculos mantidos com universidades, centros de pesquisa e investigação sociológica e organizações não governamentais (ONG), credenciadas pelo elevado padrão dos serviços apresentados à consideração da sociedade. O pesquisador César Restrepo, da Fundação Segurança e Democracia destacou que a operação do governo Álvaro Uribe alcançou o objetivo mediante a bem-sucedida infiltração de agentes no secretariado da guerrilha e pela ?compra? de informantes dominados pelo desejo de embolsar dinheiro com facilidade.
Uma emissora pública de rádio da Suíça noticiou que houve o pagamento de US$ 20 milhões pela soltura dos cativos. Versões não confirmadas, já que o governo Uribe não se pronunciou em caráter oficial, dizem que os responsáveis pelos presos foram ludibriados por militares disfarçados que os convenceram tratar-se de missão humanitária. Nesse contexto, Pedro Medellín, professor da Universidade Nacional da Colômbia, assinalou que as Farc atravessam um evidente ?momento de cansaço?, mesmo porque a corporação há muito tempo perdeu a credibilidade perante as classes populares, que representam a maioria populacional na Colômbia.
Correm por Bogotá rumores que fatos ainda mais espetaculares devem ocorrer em breve, havendo os que alimentam a tese da possível prisão do próprio substituto de Marulanda, Alfonso Cano, cujo esconderijo nas selvas a inteligência militar colombiana já teria localizado. Moderados e pacificadores aproveitam o clima propício para ressaltar a oportunidade histórica de a Colômbia optar pelo futuro sem arcar com os horrores de uma guerra civil. Todos se empenham em minimizar a hipótese da reação armada das Farc contra forças governamentais, em represália ao resgate de Ingrid e mais 14 reféns. Além da demonstração de desespero e iminência da derrota o gesto seria de pronto repudiado pela população colombiana, que anseia por uma solução política lastreada no diálogo produtivo entre representantes do governo e dos guerrilheiros, com a devida intermediação de setores da sociedade organizada. Não se pode perder a preciosa oportunidade de devolver a paz a um povo profundamente ferido pelo ódio entre irmãos.