Dobrar o poder de compra do salário mínimo até o final de seu mandato, isto é, 2006, era – ao lado da criação de dez milhões de novos empregos – uma das mais importantes promessas de campanha do então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. O candidato, volta e meia, acrescentava a seu discurso a observação de que, para isso, bastaria vontade política de fazer. Despertou as esperanças, venceu a eleição e agora, como manda a boa prática, precisa cumprir o prometido. Mas, como se sabe, não está fácil.
O presidente Lula descobriu, como seus antecessores, que qualquer centavo a mais no salário mínimo tem reflexo direto no descomunal rombo da Previdência Social, sem falar no desfalque aos cofres municipais e estaduais. E a vontade política esbarra em outras vontades. Não é por outro motivo que o presidente do PT, José Genoino, já está preparando o caminho para outro calote – perdão – outra “reciclagem” do que fora prometido. E o que fora prometido já foi transformado em apenas uma meta.
Metas, como se sabe, são coisas desejadas, coisas que se pretende alcançar, mas que, necessariamente, não constituem desonra se não atingidas. Eram metas ou alvos apenas. Promessas, ao contrário, são dívidas. E enquanto não pagas, as dívidas permanecem dívidas, geralmente agregadas de algum ônus adicional. Que fique bem claro que dobrar o valor do salário mínimo foi promessa, não meta. Assim como criar dez milhões de novos empregos, queira ou não o ministro Guido Mantega em seus engenhosos ensaios para justificar o injustificável.
Já em palpos de aranha dentro do próprio partido – onde consistentes grupos pedem “mudanças já” na política econômica e na política social – o comandante da agremiação política do presidente Lula começou a falar na necessidade de “reciclar metas dentro das limitações do Estado”. Discurso correto, pensa. Afinal, ninguém tem culpa se a vontade política do PT era bem maior que a possibilidade prática oferecida pela capacidade do Estado. Ademais, uma coisa é falar quando se está de fora. Outra, bem diferente, é responder pelo negócio, diriam outra vez os de Brasília, habituados à arte de enganar o povo. E assim tudo vai ficando cada vez mais igual ao que já se tinha e um dia imaginou-se mudar.
O consolo dos que confiaram nas promessas agora transformadas nas metas em regime de reciclagem ou adequação é que nem tudo deva passar de graça. Chuvas e trovoadas se anunciam para a próxima reunião do diretório nacional do PT, no próximo final de semana. Gerar trabalho e renda continua a ser a obsessão de muita gente, não apenas dos autores da “Declaração de Páscoa” – esses esquerdistas doentes, no dizer do ministro da Fazenda, Antônio Palocci -, mas também dos que já lutam por uma substancial redução do superávit primário nos próximos dois anos, a renegociação das dívidas com estados e municípios, outras metas que batem de frente com a política econômica que aí está…
A flexibilização “responsável” das metas de inflação, o controle das tarifas públicas, a redução da carga tributária sobre os setores produtivos, novos rumos para os programas sociais e a auditoria e renegociação da dívida externa seriam outras “metas em reciclagem” para a corrente que aposta no estímulo, de baixo para cima, de um “movimento massivo pelo redirecionamento político” do governo que, já desacreditado pelo caso Waldomiro e já perdido o rumo dado pela estrela, envereda-se na “reciclagem” de suas próprias promessas com vistas a “metas” eleitorais.
Bem dizia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que está faltando rumo ao atual governo. Aguardemos a “reciclagem” de suas metas, incluindo essa do novo salário mínimo, para ver o que sobra.