Projetos da Reforma Sindical na Câmara dos Deputados em março

Os projetos de reforma sindical devem ser enviados pelo governo federal à Câmara dos Deputados no dia 2 de março, como anunciou o ministro Ricardo Berzoini (Trabalho e Emprego) aos presidentes da CUT e Força Sindical. Por evidente que, diante do novo quadro político-parlamentar com a eleição da nova mesa diretiva da Câmara, sem a presença do PT, poderão ocorrer mudanças no cronograma do Ministério do Trabalho. Nossa posição tem sido clara no sentido de que não é o momento oportuno para envio do texto oficial, face a necessidade de alargar-se o debate sobre questões polêmicas entre os dirigentes sindicais de trabalhadores e empregadores, e importantes segmentos da sociedade, em especial os advogados, magistrados e procuradores do trabalho. O DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), pelo seu assessor parlamentar Marcos Verlaine, examinou alguns pontos básicos da proposta ministerial a ser enviada ao Congresso Nacional, assim como questões do intrincado momento parlamentar:

?PEC e PL, o segundo completa a primeira: São duas proposições. Uma genérica e abrangente, a PEC, que ?altera dispositivos dos artigos 8.º, 11, 37 e 114 da Constituição Federal e dá outras providências?. O centro do debate embutido na PEC é a questão da estrutura da organização sindical: unicidade sindical x plurisindicalismo. Trata-se de tema recorrente e remonta debate histórico. A outra, específica, densa e detalhada, é o projeto de lei de relações sindicais – com 238 artigos – que regulamenta as alterações na Constituição e, segundo sua exposição de motivos, ?atende ao anseio de amplos setores interessados em fortalecer a dinamizar as relações coletivas de trabalho por meio do diálogo e da negociação com os principais atores do mundo do trabalho, uma das metas do Governo Federal?.

?Papel do Congresso: Diferentemente do Fórum Nacional do Trabalho, no Congresso o que define as regras do jogo é a política e suas forças vivas. Ou seja, não haverá combinações prévias que permitam organizar e abafar as contradições intrínsecas ao debate. Ali, os representantes dos trabalhadores e do patronato jogarão a partir de seus interesses objetivos de classe. Não que isso não tenha acontecido no Fórum. Entretanto, as regras estabelecidas impediram radicalizações e todos sabiam que o verdadeiro debate se daria, como se dará, no Congresso. Então, todos guardaram suas armas para esgrimir no âmbito do Legislativo. Objetivamente, o Poder Legislativo, a partir dos interesses econômicos, políticos e ideológicos ali representados, terá o papel de aperfeiçoar os textos elaborados pelo FNT. Assim, em que pese o país ter um ex-operário metalúrgico, com origem no movimento sindical, como presidente da República e de haver um número mais expressivo de parlamentares comprometidos com as causas populares, o Congresso ainda é hegemonizado pelo poder econômico. Este fato pesa e influencia diretamente no debate de qualquer matéria que envolva e coloque em conflito capital e trabalho. Dessa forma, para obter êxito em suas reivindicações históricas, o movimento sindical terá que atuar dentro e fora do Congresso; à luz da institucionalidade e do clamor da base sindical, os trabalhadores. Assim, as alterações e os aperfeiçoamentos aos textos terão como base concreta essa disputa. Isto é, não serão objeto de mera vontade ou conciliação, mas sim produto do atrito, da contradição e da força política de cada ator no campo de batalha?.

?Unicidade x Plurisindicalismo, o centro do debate: Este é o nó histórico do movimento sindical em nível mundial: unicidade sindical x plurisindicalismo. Mais que uma tese, trata-se do ponto estruturante do debate da reforma sindical. Qualquer que seja a posição adotada acerca deste tema, será produto da amálgama da política: a ideologia e seus componentes de classe social.

Caso prevaleça a revogação do inciso II – que veda ?a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregados interessados, não podendo ser inferior à área de um Município?, – do artigo 8º, da proposta, extingue-se a unicidade e institui-se o plurisindicalismo?.

?Sindicato orgânico: Ao propor, na PEC, nova redação para o inciso III, do artigo 8.º, substituindo-se, na Constituição, ?ao sindicato cabe? por ?às entidades sindicais cabe?, abre-se caminho para a instituição do sindicato orgânico. Isto é, as deliberações fundamentais do sindicato caberão às entidades de grau superior – federação, confederação ou central. Assim também é o tratamento dado em relação à contribuição confederativa (inciso IV), que deixa de ser para a ?representação sindical? e passa a ser em favor das ?entidades sindicais?. No que diz respeito à obrigatoriedade da ?participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho (CF)?, passa a ser, conforme estabelece a PEC, ?(…) a participação das entidades sindicais (…)?.

?Representação sindical no local de trabalho: Aspecto polêmico do debate, objeto de divergências inconciliáveis no FNT, entre trabalhadores e patrões, se deu em relação ao tema ?representação sindical no local de trabalho?. O artigo 11 da proposta assegura, genericamente, e remete para lei ordinária ?a representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, na forma da lei?. Ou seja, é mais fácil aprovar, mas também é mais fácil rejeitar. Estabelece a lei infraconstitucional (projeto de lei de relações de trabalho), artigo 64, que ?a representação dos trabalhadores será constituída nas empresas, de acordo com a seguinte proporção: de 30 a 80 trabalhadores, um representante; de 81 a 150, dois; de 151 a 300, três; de 301 a 500, quatro; de 501 a 800, cinco; de 801 a 1000, seis; nas empresas com mais de 1000 trabalhadores, ?deverão ser acrescidos dois representantes para cada 1000 ou fração superior a 500 trabalhadores?. Pelos critérios estabelecidos no projeto, a grande maioria das empresas ficará sem a representação sindical por local de trabalho. Estimativas apontam que 90% das empresas possuem menos de 50 empregados. Ou seja, essas não deverão ter a representação desejada pelo movimento sindical. A Constituição de 88 define, no artigo 11, que ?nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores?. Os representantes do patronato tupiniquim no FNT, temendo avanços significativos em relação ao texto da Carta Maior se aferraram à defesa do atual dispositivo constitucional, portanto, na regulamentação do artigo que nunca permitiram que saísse do papel. Por fim, é imperioso destacar que a representação patronal no FNT também não concordou com os critérios de representação sindical expressos no texto da PEC em discussão?.

?Direito de greve: O direito de greve é outro aspecto estruturante da proposta. No Brasil, esse direito inalienável do trabalhador ainda é visto com desconfiança da parte patronal e do governo, no caso dos servidores públicos. O artigo 37 da PEC remete para lei infraconstitucional seu tratamento e abrangência. Entretanto, a categoria dos servidores públicos permanece no vácuo legal em relação ao direito de greve. Logo no artigo 2º do projeto se esclarece que ?as disposições desta Lei não se aplicam aos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como das autarquias e das fundações públicas, cujas relações sindicais serão objeto de lei específica?. O tema ainda está em discussão, no FNT, no âmbito da Câmara Setorial do Serviço Público. No projeto, os artigos 106 até o 119 detalham o marco legal do exercício do direito de greve para os trabalhadores?.

?Fim do dissídio coletivo: Sem dúvida, a prevalecer a redação dada, na proposta, ao parágrafo 2.º, do artigo 114, que trata da Justiça do Trabalho, o dissídio coletivo está com os dias contados. Estabelece o parágrafo que ?recusando-se qualquer das partes à arbitragem voluntária, é facultativo às mesmas, de comum acordo, na forma da lei ajuizar ação normativa, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem com as convencionadas anteriormente?. Por essa redação, no detalhe do ?de comum acordo?, não haverá mais dissídio em caso de ausência de acordo. Está configurado, no texto, o que se pode chamar de ?bode? e fatalmente será objeto de negociação em detrimento de algo mais importante na proposta?.

?Fechando o cerco: O texto da PEC da reforma vai ao encontro da Emenda Constitucional n.º 45, que trata da reforma do Judiciário, promulgada em dezembro de 2004. O texto da Emenda ?alterou a competência da Justiça do Trabalho, de um lado, para ampliar suas atribuições em matéria de direito individual e, de outro, para limitar drasticamente a possibilidades de dissídio coletivo de natureza econômica?, destaca Antônio Augusto de Queiroz em artigo. Como se vê, o cerco está se fechando em torno do movimento sindical. De um lado, a reforma do Judiciário, de outro, a reforma sindical. Atento, Queiroz chama a atenção que ?isto significa que, na hipótese de impasse na negociação por ocasião da data-base ou na ausência de entendimento quanto à contração de um árbitro aprovado para decidir sobre a pauta de reivindicações, o sindicato de trabalhadores só poderá acionar a Justiça do Trabalho se o patrão estiver `de acordo’?. E segue: ?Com esse dispositivo, que se encontra em plena vigência, o chamado Poder Normativo da Justiça do Trabalho – aquele que permite aos Tribunais do Trabalho, no julgamento de dissídio coletivo, fixar normas e condições de trabalho, inclusive com definição de índice de reajuste salarial – só poderá ser acionado pelo sindicato de trabalhadores se houver o `de acordo’ patronal?.

Edésio Passos é advogado, membro da Comissão Nacional do Direito e Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.edesiopassos@terra.com.br

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