Projeto resgata essência do brutalismo

Rogério Assis/AE
Estilo remete à casa Gerassi, de Paulo Mendes da Rocha, na zona oeste da capital paulista.

São Paulo (AE) – Nos condomínios de Aldeia da Serra, a cerca de 40 quilômetros de São Paulo, o sonho de ter uma casa no campo, como na música interpretada por Elis Regina, traduz-se em imóveis em tons pastel, profusão de bay windows, telhados de duas águas, tijolos aparentes e gramado impecável que parece saído de um filme americano. De repente, no meio da paisagem bucólica, surge a caixa de concreto e vidro apoiada sobre quatro pilares, que desperta admiração ou estranheza, jamais indiferença. Na casa Mariante – projeto de Ângelo Bucci (do SPBR Arquitetos e Fernando de Mello Franco), Marta Moreira e Milton Braga (do MMBB Arquitetos) que resgata a essência da escola brutalista – moram o casal de sobrenome Mariante e sua filha pequena, Isa.

De imediato, o estilo remete à casa Gerassi, de Paulo Mendes da Rocha, no Alto de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista. Segundo Ângelo Bucci, o projeto de Aldeia da Serra na verdade "dialoga" com algumas das idéias arquitetônicas de Paulo Mendes da Rocha e traz referências delas, como a planta quadrada, o talude de grama, o espelho d’água da cobertura, os pilotis e a liberação do solo para usos diversos, ampliando a liberdade de seus moradores.

Milton Braga destaca dois pontos: a integração do projeto ao verde que domina a paisagem, desfrutada de qualquer ponto da casa, e seus "dois quintais", um ao sol e outro à sombra, visto que a casa, apoiada em quatro pilares, tem duas lajes idênticas. O lote tem 20 x 40 metros e 7 m de desnível entre frente e fundo solucionado pelos arquitetos com o uso de duas passarelas metálicas engenhosamente fixadas em apenas um ponto de apoio, que ligam os pisos ao terreno em aclive na parte posterior. Com estrutura de concreto armado, a planta é um quadrado de 16,80 m x 16,80 m. Nos pilotis ficam garagem, escritório e quarto de empregada.

O vazio central é ocupado por duas escadas metálicas que interligam os três pisos, iluminando banheiros e cozinha. "Pelas características da topografia, esses níveis sempre encontram o terreno como se estivessem todos no chão", comenta Ângelo sobre o diferencial do projeto. A equipe de profissionais optou pelo sistema de construção racionalizado e moldado in loco. Foram alugadas fôrmas plásticas que possibilitam a construção racional de lajes nervuradas, com a eliminação do uso de compensado, simplificando a armadura e proporcionando rapidez e economia.

O pavimento principal sobre pilotis é como um térreo suspenso, com uso racional do espaço, facilitando o acesso dos moradores de um ponto a outro do imóvel. De um lado, as salas de estar e jantar e, de outro, os banheiros e dormitórios, sala de TV, enquanto a cozinha fica no centro. Na cobertura, o espelho d’água mantém a temperatura da casa agradável no verão e no inverno. Como se fosse obra de alta-costura, esta casa também é para se apreciar pelo avesso, já que parte da estrutura está à mostra (tubulações dos banheiros e grelhas do teto moldadas com fôrmas plásticas).

As paredes da casa foram feitas em argamassa armada, os pisos internos são de granilite e os externos, de concreto lixado. Portas e armários-divisória são em MDF. Como grandes rasgos horizontais nas laterais da casa, folhas de vidro se deslocam na altura desejada graças a um sistema de contrapeso e cabos, tipo guilhotina, ventilando os ambientes. Chama ainda atenção a idéia encontrada para transformar os quartos em suítes, tendo os banheiros de um lado e quartos, de outro. "A solução foi usar portas de correr embutidas nos armários-divisória, que, quando fechadas, fragmentam a circulação dos dormitórios", comenta Milton. Toda a execução do projeto de marcenaria – cozinha, portas divisórias, portas pivotantes (cada uma medindo 2,40 m x 80 cm), as duas portas com molas de topo (abertura em dois estágios) em MDF – ficou a cargo da Decoarte. 

Vidros conferem leveza à caixa de concreto

A luz natural que invade os ambientes passa através de vidros, elemento que dá leveza à caixa de concreto. O projeto e instalação ficou a cargo da J.V. Vidros (de Ribeirão Preto). Admiradora de Mies van der Rohe, na linha do more is less, a proprietária tem poucos e bons elementos nas salas de estar e de jantar. O xodó: a chaise-longue Le Corbusier (da Forma).

O jardim com os viçosos canteiros de íris está passando por uma reforma e irá ganhar novas árvores e arbustos. O projeto paisagístico está a cargo da arquiteta Klara Kaiser, que encontrou vários problemas, como a forma incorreta de irrigação e a terra de superfície. A cobertura, com um vaso aqui e outro acolá, também será refeita. "Para se compor um jardim aquático, é importante dimensionar os canteiros, pois pequenos pontos de interferência no espelho d’água mais ‘sujam’ o campo visual do que o embelezam", diz.

De olho na integração com a obra arquitetônica, ela havia idealizado um espaço verde de formas geométricas e ângulos, o que acabou por não acontecer. "Com o tempo e as intervenções, o jardim foi tomando várias formas… bem diferente do que trabalhar com uma folha de papel em branco", reconhece Klara. Que admira, no entanto, a afeição dos proprietários por cada pedaço de terra, segundo ela, com boas histórias para contar, como a do ipê que não vinga.

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