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Muito se tem falado e escrito sobre o projeto do Novo Código de Processo Civil. Têm sido feitos elogios e críticas. Estou do lado dos otimistas, sobretudo porque de uma coisa não se pode duvidar: trata-se de um projeto democrático, em todos os sentidos. O projeto tem falhas, como toda obra humana, mas o resultado que se tem visto, até agora, é de um texto que em muito reflete os anseios da comunidade jurídica e da sociedade em geral, e adota, por outro lado, posicionamentos já consolidados da nossa doutrina e jurisprudência.

Se observarmos bem, a comissão que elaborou o projeto é um verdadeiro símbolo do processo democrático, já que é marcadamente, heterogênea, tanto quanto à formação, idade quanto carreira de seus componentes.

As comissões revisoras, por exemplo, ao que se sabe, têm se dedicado com afinco a debater o projeto, ouvir sugestões, criando grupos de trabalho para uma análise comparativa e para identificar, inclusive, se o texto proposto efetivamente reflete os anseios da comunidade jurídica, sem violar a Constituição Federal e garantindo, no melhor sentido da expressão, o devido processo legal. Por óbvio, ainda não temos como prever o resultado final, mas a própria discussão já é salutar.

Outro aspecto a ser levado em consideração é que, apesar das críticas que foram apresentadas, desde o início da formação da comissão, a oportunidade para manifestação da comunidade jurídica tem sido ampla, como se vê pela providência tomada no sentido de se organizarem várias audiências públicas, e todas as oportunidades que as instituições têm tido para apresentar as suas sugestões, sem prejuízo da atuação individual, com envio de muitas sugestões, que, sabe-se, foram levadas em consideração para a redação do texto.

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Cartas e manifestos foram, têm sido e ainda serão divulgados – o que favorece e ressalta o aspecto democrático do processo de elaboração do Novo Código.

Sem prejuízo, membros da comissão que elaborou o projeto e inicial e igualmente das comissões revisoras têm levado o projeto para discussão na academia, tanto nos cursos de graduação, pós graduação, mestrado, doutorado – o que pode ser testemunhado pelo enorme número de alunos que, atualmente, têm participado ativamente das discussões, comparativos, contribuindo, na melhor acepção da palavra, com suas valiosas sugestões. 

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Também há de se considerar que os canais de comunicação sempre foram abertos, a comissão se dedicou de maneira incansável a, inclusive, responder mensagens e manifestações, muitas delas, é sabido, consideradas para elaboração do projeto.

E temos de levar em conta, também, que a própria existência da discussão sobre o projeto é um momento histórico, pois, no mínimo, chama atenção para a legislação vigente, pois, sempre que se tem uma nova codificação, o estímulo ao estudo comparativo, à pesquisa e ao conhecimento da própria legislação vigente são grandes fontes produtoras de conhecimento.

Muitas coisas têm sido ditas sobre os incidentes de coletivização das demandas, mas acredito que outros detalhes devem, por exemplo, ser ressaltados, inclusive para demonstrar o quanto o projeto reflete o que por muito tempo se discutiu nos Tribunais ou questões que deveriam merecer ou ser alvo de mais atenção do legislador.

Um dos pontos que nos chamam a atenção é o artigo 10, diga-se, muito acertado, mas que por outro lado sofreu alteração no substitutivo que limita a sua amplitude. Lembre-se, nesse ponto, que por mais que seja algo que decorre diretamente da Constituição Federal, e por mais que também alguns o julguem desnecessário, trata-se de tema sobre o qual muito se discute, além de ser medida que trata, de forma mais direta, um ponto muitas vezes esquecido, por incrível que pareça.

Pelo texto original do dispositivo, “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício”. 

O texto acaba por trazer para a letra da lei a proibição de que se profira a chamada “decisão surpresa”, ou seja, decisão que, de fato, surpreende as partes, que não tiveram oportunidade de manifestação. Na verdade, pode-se até dizer que esta regra já está no sistema e que este dispositivo tem uma função meramente didática. De acordo com o projeto, não pode haver dúvida de que, ainda que o magistrado possa se pronunciar “de ofício”, ou seja, sem provocação, não pode decidir sem que a matéria tenha sido objeto de contraditório.

Em sua redação original o dispositivo estava mais fiel, acreditamos, ao seu objetivo inicial. O substitutivo acresceu-lhe algumas excludentes, que são, por exemplo, a desnecessidade de intimação das partes para tal fim, quando o juiz tiver a intenção de proferir sentença de improcedência liminar porque o pedido contraria súmulas dos tribunais superiores, ou, ainda, quando contraria entendimento firmado em julgamento de demandas repetitivas, ou, da mesma forma, se identificar a ocorrência de decadência ou prescrição.

Acreditamos que o acréscimo do substitutivo será alvo de amplo debate, inclusive porque se inspira em dispositivo do atual Código de Processo Civil, cuja inconstitucionalidade é discutida na ADI nº 3605.

O projeto também reforça questões como a da cooperação jurídica internacional, que pelo substitutivo, poderá ocorrer tanto na forma judicial quanto administrativa. Nesse ponto, também são apontadas as matérias que poderão ser objeto da cooperação, tais como produção de provas e até medidas como busca e apreensão de bens, documentos, direitos e valores.

Tecnicamente, observa-se, de forma geral, a tendência de se consolidar e simplificar o tratamento que o processo dá ao direito material. E o que temos de lembrar é que um Código deve ser pensado atendendo à realidade de um país continental, e acreditamos que, neste ponto, estamos em ótimo caminho.

Desejamos boa sorte às comissões revisoras e esperamos que só venham a aprimorar, exatamente como até agora se fez, o trabalho de fôlego da Comissão que elaborou a primeira versão do projeto.

 

Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz é advogada no escritório Rayes & Fagundes Advogados. Mestre e Doutora em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Professora dos cursos de pós-graduação da mesma instituição. Professora do Mestrado na Universidade de Itaúna/MG.