Com a decisão do STF sobre a fidelidade partidária, no último dia 4/10, surgirão, ao natural, novas conseqüências que interessarão a deputados federais, estaduais, distritais e vereadores, além dos partidos e, claro, candidatos a estes cargos e sociedade, porque não.
Em suma, o STF decidiu que o mandato de deputados federais, estaduais e distritais e vereadores pertence ao partido e não à pessoa do deputado/vereador. Em intenso debate, se definiu que a resposta do TSE à consulta do DEM a respeito da fidelidade partidária, que ocorreu em 27/3/2007, é o marco temporal que define se a mudança de partido pelo deputado/vereador implica na infidelidade partidária que leva à perda do mandato do infiel. Não se pretende aqui entrar no mérito ou na análise da discussão que levou o STF a este marco temporal, o que certamente deverá ser objeto de comentários de juristas, operadores do Direito e demais que se interessem pelo tema.
Expondo efetivamente algumas conseqüências da decisão do STF, a primeira que se apresenta é a de que o deputado/vereador que mudou de partido após 27/3/2007 poderá ter seu mandato reivindicado pelo partido do qual saiu, em procedimento que será regulamentado pelo TSE, através de Resolução para a qual foi designada pelo Presidente da Corte, Min. Marco Aurélio, a relatoria do Min. Cezar Peluso. Nesta Resolução serão traçadas as regras que assegurem ao deputado/vereador o Direito constitucional ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa.
Entendo, em relação a esta primeira faceta, que não apenas o partido poderá reivindicar o mandato do infiel, mas também o suplente deste infiel. Vale imaginar que por qualquer motivo o partido do infiel não deseje reivindicar o mandato deste, o suplente não poderia sentir-se prejudicado pela Direção de seu partido e ele mesmo provocar judicialmente a reivindicação? O mesmo raciocínio pode ser feito em relação ao segundo suplente, e assim sucessivamente, caso aqueles que antecedem na suplência se abstenham de reivindicar o mandato do infiel. Entendo, então, que os suplentes terão legitimidade ativa para reivindicar o mandato de seu ex-companheiro de partido, que eleito por este resolveu mudar para outra agremiação política.
A segunda faceta que se apresenta diz respeito ao deputado/vereador que é expulso do partido que o elegeu. Aqui cabe asseverar que para a hipótese em que o deputado/vereador sai do partido por este mudar sua ideologia/princípios ou agir/orientar seus filiados de modo contrário às diretrizes partidárias, previstas em seu estatuto, não se caracterizará como infiel. Foi o caso da senadora Heloísa Helena, que discordou da postura do governo PT, em seu entendimento, contrária às atitudes e decisões oposicionistas que tinha antes de assumir a presidência, e por isso saiu do partido, criando posteriormente o PSOL.
No caso do deputado/vereador expulso do partido pelo qual foi eleito, o expulso, a princípio, não é considerado infiel, e por isso, assim entendo, permanece com o mandato que está exercendo. Digo ?a princípio?, já que na prática poderá acontecer de o deputado/vereador provocar, por suas atitudes e comportamento, a expulsão do partido. Tudo, evidente, deverá ser objeto de discussão em procedimento que será regulamentado na Resolução a ser expedida pelo TSE.
Uma terceira ?faceta? é a hipótese do deputado/vereador que ?mude? seus pensamentos durante o mandato que está exercendo. O que acontecerá se desejar concorrer à próxima eleição por outro partido, mais afeto às suas novas idéias e defesas políticas e sociais? Neste caso, cabe lembrar que a atual legislação eleitoral exige a filiação a um partido até um ano antes da eleição que se realizará. Assim, usando o atual exemplo, como a eleição do próximo ano acontecerá no dia 5/10, o prazo de filiação em um partido, para aquele que desejar concorrer a um cargo na próxima eleição, escoou em 5/10/2007. Entendo, então, que o deputado/vereador que deseja mudar de partido ficará, na hipótese ora apresentada, sem mandato dali em diante, ou seja, no exemplo apresentado, imaginando que ele saia do partido e se filie em outro no dia 5/10/2007, ficará desta data em diante sem mandato.
Uma outra hipótese: o deputado/vereador que, após 27/3/2007, saiu do partido pelo qual havia sido eleito e se filiou a um segundo partido, mas arrependido ou por força da decisão do STF resolva voltar ao partido pelo qual foi eleito, terá essa volta assegurada legalmente? Poderá exigir que o partido o aceite, impedindo que este reivindique o mandato, na medida em que o STF e o TSE já o consideraram infiel? Entendo que este deputado/vereador não pode exigir que o partido para o qual foi infiel seja obrigado a aceitá-lo novamente. Caberá à direção do partido outrora traído decidir se aceita ou não o infiel novamente, sem esquecermos, ainda, a discussão sobre a legitimidade dos suplentes reivindicarem o mandato do infiel, conforme anteriormente comentado. É válido imaginar também como se encontrará o ambiente no partido, considerando os demais filiados em relação ao retorno deste que foi considerado infiel pelo STF e pelo TSE, mas teve o retorno assegurado pela direção da agremiação partidária até então traída.
Finalmente, por ora, em que termos estará caracterizada a mudança do ideário ou diretrizes partidárias, de modo a justificar a saída do deputado/vereador do partido pelo qual foi eleito? Entendo que para afastar a infidelidade partidária, o deputado/vereador deverá demonstrar de maneira farta e robusta que realmente o partido pelo qual foi eleito mudou sua ideologia partidária/estatutária. Não poderá se admitir que mera divergência entre o partido e o deputado/vereador seja suficiente para justificar a saída deste deputado/vereador do partido pelo qual foi eleito e exerce o mandato atual. O mesmo raciocínio se aplica para a hipótese de expulsão do partido, que deverá provar de maneira cabal que o deputado/vereador provocou a expulsão.
Não se almeja aqui, já que seria muita pretensão, esgotar o tema, o que sequer, talvez, venha a acontecer com a prática doravante. O desejo foi apenas de trazer à baila as primeiras impressões e conseqüências desta histórica decisão do STF, que, em tão pouco tempo, sinalizou ao país, por duas vezes, se tratar de uma instituição na qual se pode acreditar.
Dirceu A. Andersen Junior é advogado atuante na área eleitoral. www.poppnalin.com.br