É algo que não passaria pela cabeça da maioria dos mortais, mas foi assim mesmo com o professor Caetano Waldrigues Galindo: após escolher o "Ulisses" de Joyce como tema para tese, resolveu traduzir ele mesmo o romance, preparando uma versão sobre a qual pudesse trabalhar. A tese será defendida no ano que vem. E ele atualmente revisa sua tradução, que demorou "dois anos de trabalho diário" para ganhar ponto final.
O ponto final na verdade é uma força de expressão. Professor da Universidade Federal do Paraná, Galindo, quando perguntado sobre as dificuldades da tradução, diz que "o mais difícil de tudo é parar de traduzir". "Sabe como? Um livro maior que a vida. Depois que você vernacularizou toda a língua, você encara o problema das referências. Eu pretendo mesmo ir até o fim do processo e escrever um Ulisses que se passe em Curitiba, em 16 de junho de 2004, convertendo todas as referências históricas, geográficas e culturais. Já tem até título, Bloom."
Tradutor de "No Bosque da Noite", de Djuna Barnes, Galindo conta que talvez a principal dificuldade do trabalho seja "manter a oralidade da escrita de Joyce". "Trabalhei muito especialmente para manter o pluri-estilismo do romance, a diferenças das vozes de narradores, personagens, pastiches, estilos vários, climas, tons. O Ulisses é muito, muito colorido e diverso. Foi um pecado achatá-lo e amortecê-lo em um tom erudito mais neutro. De resto, há a dificuldade geral de se compreender toda uma série de detalhes e alusões muito específicas, em grande medida aliviada pelo trabalho de anotação de Don Gifford. E nunca é demais lembrar que Houaiss não contou com este tipo de bibliografia."
E como mudou a visão que tem do romance? "Na mesma medida em que a nossa visão da mulher com que a gente vive muda com o convívio diário. No caso de Ulisses, pude ver seus eventuais defeitos – e, Deus, como são poucos – e pude valorizar mais tudo o que já conhecia, graças à multidão de riquezas que descobri, uma a uma." Alguma edição em vista? "Duvido que haja mercado para um terceira tradução brasileira. E o espólio de Joyce é complicadíssimo. Tenho esperanças de que alguém, um dia, queira publicar meu Bloom. Mas, antes, ele precisa existir por inteiro."