Em questões graves e delicadas de repercussão nacional, às vezes têm-se a impressão necessariamente equivocada que não se pode confiar nas principais instituições do país, aparentemente envoltas em névoa de mistério e sujeitas a influências de grupos ou facções com interesses calidoscópicos. A interferência dos meios de comunicação, entretanto, com a divulgacão e análise do quadro, ao menos, faz arrefecer tal insegurança, porque, dentre seus efeitos, aparenta ter o condão de tornar céleres e transparentes as providências necessárias. Se a imprensa cala, a impressão do público fica entre o ceticismo e a dúvida.
Trata-se de lugar comum, mas nunca será demais reafirmar que a informação livre afigura-se importante característica republicana e democrática para a sociedade como um todo e para as pessoas individualmente.
A chamada ?cultura da impunidade?, desafortunadamente uma cruel realidade entre nós, a cada passo encontra sérios obstáculos diante de atuação correta e desassombrada dos veículos de comunicação, seja pela simples postura noticiosa, seja pela utilização cada vez mais bem sucedida das chamadas reportagens investigativas.
A publicação de notícia tem certo aspecto catalisador perante a opinião pública e esta dá aos fatos, não raro, importância maior do que teriam se permanecessem circunscritos aos meios em que ocorreram, reclamando, por conseguinte, esclarecimentos pela mesma via.
Até aí tudo cor-de-rosa. Há, no entanto, uma zona nebulosa em que direitos dos cidadãos tais como relativos à honra, privacidade, profissão, são envolvidos em notícias que acarretam aos respectivos interessados constrangimentos, embaraços, ou até mesmo graves danos materiais e morais.
Vejam-se as conseqüências, comuns até, sobre publicação de notícia dando conta de envolvimento em fraude de determinado profissional. Fácil antever os efeitos danosos ou até mesmo desastrosos sobre sua honra e boa fama, com reflexos diretos na vida familiar, profissional, social e tudo o mais. Em certos casos, para esclarecer os fatos, os órgãos responsáveis pela investigação quebram o sigilo fiscal, bancário, escancaram a privacidade, submetem, enfim, a vida do infeliz a uma verdadeira devassa. E depois de tantos estragos, concluem pela inocência do cidadão. Que fazer então para remediar os danos, alguns irreversíveis ou irreparáveis? Ou, por outra, como evitar tais embaraços? Eis aí o nó górdio da questão.
Fala-se muito em liberdade de comunicação, direito assegurado constitucionalmente, mas sem limites precisos para o seu exercício. É evidente que os profissionais da mídia têm plena consciência de que o respeito à vida de pessoas depende da sua responsabilidade, capacidade de discernimento, equilíbrio, sensibilidade etc. Sem embargo, violações a direito pelos meios de comunicação seguidamente ocorrem.
É correntio, na esfera jurídica, o aforismo segundo o qual não há direito absoluto, desprovido de quaisquer limitações. Ocioso dizer que a liberdade de manifestação do pensamento também não é absoluta, até porque deve ser obviamente exercida dentro dos princípios de ética e com respeito aos direitos do indivíduo e da coletividade. E que a instituição encarregada de fiscalizar seu exercício e aplicar as sanções legais é o Poder Judiciário. Tal fiscalização pode-se dar após divulgada a notícia lesiva, mediante processo judicial com a conseqüência da indenização em pecúnia, por exemplo, ou mediante a chamada tutela preventiva dos direitos, quando o interessado tem ciência da iminente publicação que lhe será danosa e pede a atuação do Judiciário. Ambas as formas de defesa do cidadão são perfeitamente legítimas, restando sem qualquer fundamento o queixume comum em alguns meios de comunicação de que a proibição pelo Judiciário da divulgação de determinado fato constitui ?censura? prévia. Nada mais falso. Censura não é, ao menos em nosso País, atividade cometida aos magistrados a quem compete apreciar soberanamente qualquer lesão ou ameaça a direito, segundo os termos constitucionais (art. 5.º, XXXV). Se a divulgação de notícia se afigura injuriosa, difamatória ou caluniosa, por exemplo, será de rigor e revestida de toda a legitimidade a intervenção do Judiciário para impedir a prática danosa.
Como se vê, a busca do equilíbrio entre a liberdade de informação e o respeito aos direitos do cidadão e da coletividade é produto de labor incessante no exame dos casos concretos, permeado de dificuldades. A tal propósito vale lembrar página candente de Rui: ?Cada jornalista é para o comum do povo, ao mesmo tempo um mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação, um advogado e um censor, um familiar e um magistrado. Bebidas com o primeiro pão-do-dia, as suas lições penetram até o fundo das consciências inexpertas, donde vão elaborar a moral usual, os sentimentos e os impulsos, de que depende a sorte dos governos e das nações?.
Victor A. A. Bomfim Marins é advogado, juiz (aposentado) do Tribunal de Alçada do PR. Ex-professor na Faculdade de Direito de Curitiba e na Escola da Magistratura do PR. Do Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil e da Academia Paranaense de Letras Jurídicas.
