Com a notícia de que o STF entendeu por abolir a prisão civil para depositário infiel, implementando a Emenda Constitucional 45 e revogando a Súmula 619, muitos se surpreenderam. Na realidade, mascarava-se uma prisão por dívidas, com armadilhas contratuais.
Nas certeiras palavras do ministro Cezar Peluso “se ao depositário se concede o direito de usar da coisa, já não haverá depósito…” Muito embora, o art. 640 do CC estabeleça: “…não poderá o depositário, sem licença expressa do depositante, servir-se da coisa depositada…”. Ou seja, o uso da coisa depositada era autorizado contratualmente pelo depositante (nisto reside o avanço).
Analisando o direito posto, e afastadas as hipóteses deliberadas pelo STF, entendemos que o depositário infiel continua exposto não somente a uma prisão civil (artigo 652 do CC), como até mesmo em flagrante delito ou preventivamente nas hipóteses do artigo 312 do CPP, por incursão no crime de “apropriação indébita”, previsto no artigo 168 do Código Penal Brasileiro: “Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção”. A pena cominada oscila entre um e quatro anos de reclusão, além da multa. Não é considerado um delito de pequeno potencial ofensivo e a competência é da justiça criminal comum.
O nosso Código Civil, em seu artigo Art. 627, define: “Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame”.
Mais adiante, o art. 629 enuncia: “O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante”.
Quanto ao tempo da restituição, o art. 633 preceitua: “Ainda que o contrato fixe prazo à restituição, o depositário entregará o depósito logo que se lhe exija…” Equiparando as modalidades de depósito, arremata o art. 652 do CC: “seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos”.
De acordo com o ministro Celso de Mello, a mudança “estimula novas reflexões por parte do STF (…) o impacto vai se fazer sentir não apenas no que diz respeito ao instituto da alienação fiduciária (…) mas colocará também em debate, é claro, em momento oportuno, a própria subsistência ou não da parte final do artigo 652 do Código Civil Brasileiro, que ainda continua a prever a possibilidade de prisão civil, por até um ano, do depositário infiel…”
Entendemos que, na prática, mesmo que evolua essa discussão e futuramente venha a ser abrangido e suspenso o artigo 652 do CC, por ter o depositário a “prévia e precária posse ou detenção lícita da coisa”, pelas obrigações próprias do instituto, no exato momento em que o depositário se negue, peremptoriamente, a restituir o que não é de sua propriedade, a posse lícita se trasmudará para ilícita e, nesse exato momento, poderá incorrer no crime de apropriação indébita e sofrer pronta voz de prisão.
Esta hipótese é mais gravosa (1 a 4 anos) que a prevista na lei civil (até um ano) e estará exposto a processo criminal que somente admitirá suspensão se reparar o dano causado. E você como pensa?
Elias Mattar Assad é advogado. eliasmattarassad@yahoo.com.br