Por força do princípio da proibição da “reformatio in pejus” quando a apelação (ou outro recurso) for exclusiva(o) do réu, o Tribunal não pode agravar a sua situação (CPP, art. 617).
Fundamentos: o Tribunal não pode proceder de ofício contra o réu; ademais, houve trânsito em julgado para a acusação. E se o Tribunal viola essa regra? Há nulidade absoluta. Aliás, nem sequer nulidade absoluta pode o Tribunal reconhecer contra o réu (Súmula 160 do STF), quando somente ele recorreu.
Distinta é a solução quando se trata de recurso ex officio (aqui o Tribunal pode reconhecer nulidade contra o réu, porque o recurso ex officio devolve ao Tribunal o conhecimento o reexame – de tudo que foi julgado).
Outras regras relevantes: não existe mutatio libelli (CPP, art. 384) em segunda instância. Se o fato provado é distinto do fato narrado e não houve recurso da acusação, só da defesa, no recurso da defesa não pode o Tribunal prejudicar o réu, ainda que se vislumbre outro delito (mais grave).
Na emendatio libelli (CPP, art. 383) o Tribunal não pode agravar a situação do réu quando o recurso é exclusivo dele. Pode o tribunal dar nova classificação jurídica ao fato, mas não pode agravar a pena do réu (em recurso exclusivo do réu).
Princípio da proibição da “reformatio in pejus” indireta
A proibição da “reformatio in pejus” no processo penal tem aplicação tanto direta e indireta. Anulada uma sentença condenatória em recurso exclusivo do réu, pode o juiz (na segunda sentença) fixar pena maior? Não, não pode. Se pudesse o réu estaria sendo prejudicado (indiretamente) por um recurso dele.
Réu submetido a novo júri, pode o juiz fixar pena maior? Há polêmica. A melhor posição diz que se o Ministério Público concordou com a pena anterior (ou seja: se ele não recorreu para agravar a pena), o juiz não pode aplicar pena maior, mas desde que o resultado do julgamento seja o mesmo.
Na verdade, mesmo que o resultado seja diverso, se o novo julgamento aconteceu em razão de recurso exclusivo da defesa, o réu não pode ser prejudicado.
De outro lado, se o Ministério Público não concordou com a pena anterior, não há que se falar em coisa julgada para ele. No novo julgamento, destarte, é possível que a pena seja maior.
Júri: novo julgamento, nulidade e “reformatio in pejus indireta”. O STJ enfrentou esses temas no , no dia 24.11.09, proclamando o seguinte: “O paciente foi condenado a seis anos de reclusão pela prática de homicídio. Dessa condenação, a acusação e a defesa recorreram, mas o TJ julgou prejudicados ambos os recursos, pois verificou, de ofício, haver nulidade quanto à apresentação de quesitos e determinou a submissão do paciente a novo júri. Sucede que, no novo julgamento, ele foi condenado a 12 anos de reclusão, visto que reconhecido o homicídio qualificado, o que foi mantido pelo TJ. Daí o habeas corpus, que se fundamenta em reformatio in pejus. Nesse contexto, a Turma, ao continuar o julgamento e verificado o empate, concedeu parcialmente a ordem por prevalecer, nesses casos, a decisão mais favorável ao réu. A Min. Relatora e o Min. Nilson Naves reconheciam a impossibilidade de agravar a situação do paciente em razão do reconhecimento de nulidade não arguida por qualquer das partes, mesmo que decorrente de nulidade absoluta, que poderia, em tese, ter beneficiado o réu. Já o Min. Og Fernandes e o Min. Celso Limongi afastavam a hipótese de ser caso de reformatio in pejus, pois o recurso da acusação, apesar de julgado prejudicado, foi justamente no sentido de reconhecer o homicídio qualificado, com pena mínima de 12 anos. , Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/11/2009”.
Nossa posição: a Súmula 160 do STF diz o seguinte: “É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.
Considerando-se que nem a acusação nem a defesa pediam a nulidade, o tribunal violou a referida súmula. Em virtude disso veio o novo julgamento, impondo-se pena maior. É de se notar que o novo julgamento não decorreu do recurso da defesa. Logo, não há que se falar em “reformatio in pejus” indireta.
De outro lado, é certo que o Ministério Público também recorreu, pretendendo precisamente o que foi conseguido no segundo julgamento (homicídio qualificado).
De acordo com nosso ponto de vista, razão assiste (no caso) aos Ministros Og Fernandes e Celso Limongi, que não vislumbravam violação ao princípio da “reformatio in pejus” indireta.
Feita abstração ao error in procedendo do Tribunal (que não podia reconhecer a nulidade), qual era o statu quo ante? Dois recursos pendentes no Tribunal (um da defesa e outro da acusação).
É para essa situação que devemos retornar e ela revela que a decisão de primeira instância (primeiro júri) não transitou em julgado para a acusação (ou seja: o caso continuava aberto e pendente).
Sem o trânsito em julgado para a acusação (sobretudo em relação à pena), não há como admitir a teoria da “reformatio in pejus” indireta, que tem como pressuposto justamente o fato de a pena (inicial) já ser definitiva para a acusação.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG. Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). www.blogdolfg.com.br