É o povo quem está arcando, por primeiro, com as conseqüências da desorganização do governo. Mas isso não tem contado muito em Brasília. Depois, em linha direta, vem o próprio governo. Este, entretanto, não quer admitir, a se julgar pelas palavras que profere o superministro José Dirceu, que, antes de tomar medidas para resolver o problema, se diz estarrecido com as críticas que vem recebendo, agora já de um senador de seu partido, o sempre comedido Eduardo Suplicy.
Estarrecido ou surpreendido no ato da ocupação partidária da máquina estatal, o governo está na berlinda: já existe o pedido de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em curso no Senado. A proposta tem mais apoio que o mínimo exigido e, segundo o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio, a intenção é uma só: “Evitar o desmoronamento por completo de tudo o que funciona com eficiência”.
Não está só, portanto, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa, que se anima e volta à carga para manter tudo o que falou na entrevista em que usou palavras cáusticas para criticar os que se deixam inebriar pelo poder. Graças ao debate que se prolonga em torno do assunto, tomam novos contornos afirmações como a que coloca o presidente Lula flutuando entre os ministros da Fazenda, Antônio Palocci, e o da Casa Civil, José Dirceu, “viajando para o exterior mais do que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e fazendo discursos Brasil afora, modulando o tom de acordo com os locais onde está”. Segundo a imagem construída por Corrêa, Lula “fica ali naquela peroração, do ponto de vista aristotélico, peripateticamente no palco, indo para lá e para cá e, do ponto de vista figurado da exacerbação da linguagem, cometendo certos impropérios”.
Sem descrever com tantos detalhes o que os brasileiros todos já tiveram oportunidade de verificar, o senador Eduardo Suplicy também está incomodado com o que se passa no Planalto. Em vez de falar nos efeitos inebriantes do poder, ele ataca o “excesso de poder” do companheiro José Dirceu, muito perdido em detalhes e já sem tempo para algumas coisas importantes. E defende seu direito de crítica, advertindo o ministro que tudo o que falou não é para magoar… Mutatis mutandis, também aqui se assemelha ao que fala o presidente do STF: “O dia em que Lula me telefonar e quiser falar comigo será muito bem-recebido, principescamente recebido, superbem tratado”.
Na velha fábula esópica, enquanto os deuses brigavam no Olimpo, as rãs sofriam no banhado. O charco aqui está na Saúde, na Anvisa, na Funasa, no Incra e tantos outros órgãos que apresentam problemas sérios na prestação de serviços ao público, enquanto em Brasília se briga pelo poder. Ou melhor, enquanto em Brasília os que comandam o espetáculo se afundam nos qüiproquós das nomeações, como se a coisa pública fosse algo que lhes pertencesse. É verdade, em qualquer parte do mundo, os vencedores governam com os seus. Mas também é verdade que a condução política é, geralmente, a antítese da condução por critérios técnicos. E há coisas onde o único critério para a escolha não pode ser a militância partidária.
Se o príncipe não quer ouvir – seja lá por quais motivos – o que diz Corrêa, que principescamente ouça vozes como as do senador Suplicy, ainda sensível ao batraquiar das rãs da fábula. Ou que aguarde, então, a baixaria que poderá advir da CPI das nomeações, agora com mais o PMDB fazendo parte do butim brasiliense. Saberemos, talvez, porque querem aumentar impostos em lugar de prestar serviços…