Lula foi muito feliz na montagem de sua base parlamentar. Conseguiu com a coalizão esdrúxula e ideologicamente contraditória que o elegeu formar uma bancada bastante numerosa, engordada pelo fisiologismo que existe nesta, como em todas as legislaturas. Como na pauta de seus projetos o essencial eram as reformas tributária e previdenciária, ainda passou a contar com o apoio da maior parte do PSDB, que, cheio de pudores, decidiu ser a favor. Isso porque, quando governo, no tempo de FHC, já havia proposto tais reformas e precisaria, agora, apoiá-las, por uma questão de coerência.
Além disso, os porta-vozes de Lula – e ele próprio -conduziram tudo de uma forma compulsória. Ou vota ou cai fora. Isso valia e vale inclusive para os membros do próprio PT que se voltaram contra o proposto pelo governo. Com esse rolo compressor, tudo foi sendo aprovado e as emendas e destaques, em número enorme, foram sendo derrubados em cascata. Valeu muito o apoio obtido dos governadores. Não se pode dizer que o entendimento funcionou com perfeição. Há um quero mais aqui e ali que emperra a reforma tributária. Mas esta, mesmo aos trancos e barrancos, vem sendo aprovada sem grandes percalços.
De repente, num item, o governo é derrotado. E dizem que a primeira derrota ninguém esquece, pois põe à mostra fragilidades escondidas, que, de repente, afloram. O governo foi derrotado na Câmara quando foi votado o destaque que retira do texto da reforma tributária a progressividade das alíquotas do imposto sobre heranças e doações. No texto do governo, esse imposto, que é de 4%, subiria progressivamente até 15%. Coube ao PFL, que faz oposição sistemática ao governo, ao contrário do PSDB, que chega a ser até seu aliado, derrubar tal destaque. Mas deputados do governo colaboraram. O argumento era de que, se aprovado, quando morressem pessoas da classe média os herdeiros teriam de vender a casa ou o apartamento para entregar o dinheiro ao governo, na forma de imposto. A progressividade, em si, nos parece uma medida salutar, pois faz com que paguem mais os que mais herdam e menos os que recebem menos do patrimônio do “de cujus”.
Em muitos países adiantados, o imposto “causa mortis” chega a ser tão elevado que muitos herdeiros desistem da herança, deixando-a para fundações criadas para seus funcionários ou obras de benemerência, científicas e educativas. O herdeiro muitas vezes nada fez para formar o patrimônio e acaba ficando milionário com a herança. Falta-lhe o mérito.
Mas este é um país subdesenvolvido ou, como dizem os otimistas, em desenvolvimento. Um imposto progressivo de herança, tanto mais se aplicado sobre valores apenas razoáveis, pode ser um desestímulo à formação de sólidos patrimônios, o que se faz necessário para que um dia sejamos de fato desenvolvidos. O que se tem visto, mesmo sendo alíquota única e não progressiva, é fortunas se desfazerem no curto espaço de tempo de duas ou três gerações.
Um imposto progressivo precisa ser estudado com profundidade, não só sob o ponto de vista fiscal, mas, também, no que concerne ao interesse econômico. Um grande empresário, por exemplo, sabendo que quando morrer vai deixar uma larga parcela de seu patrimônio não para seus herdeiros, mas para o governo, poderá sentir-se desestimulado e tentado a desviar parte de seus ativos para aplicações supérfluas.