Previsões de dona Anne

Dona Anne não é nenhuma cartomante. Se fosse, teria mais chances de acertar, já que os que se dedicam à arte de previsão do futuro são mestres na formação de frases dúbias, interpretáveis ao gosto do freguês. Referimo-nos a Anne Krueger, vice-diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, que expressou otimismo sobre a economia brasileira. Para ela, tão logo se resolva a disputa presidencial no Brasil, o País deverá retornar a níveis “mais normais” de taxas de juros. “O que vimos ? disse ela ? foi os mercados reagirem às incertezas produzidas pela campanha eleitoral”. Ela manifestou confiança de que o próximo presidente irá manter as políticas macroeconômicas do atual governo e levar adiante programa do FMI. E lembrou que o novo acordo já teve reflexos positivos na economia brasileira, recuando a taxa internacional de juros do País e o câmbio situando-se em um patamar mais estável do que estaria sem o acordo.

Os prognósticos contêm afirmações e análises que, dois dias depois, os fatos começam a pôr em dúvidas. O risco Brasil voltou a subir, chegando a quase 2000 pontos; o dólar também subiu; os juros, por decisão do Copom, ficaram nos mesmos 18% ao ano, perdendo o viés de baixa; os juros que o Brasil tem de oferecer para tentar captar recursos no exterior, com o aumento do risco-Brasil, automaticamente se elevam.

Tudo isso porque o presidente George Bush está decidido a fazer uma guerra contra o Iraque, não aceitando sequer a oferta de Saddam Hussein de abrir as portas à ONU, para que comprove se lá produzem ou não armas atômicas e químicas. Também e principalmente porque as últimas pesquisas revelam a possibilidade de Lula ganhar as eleições já no primeiro turno. Possibilidade que uns julgam maior e outros consideram remota. Uma consultoria especializada fala em 10% de chances.

Por que o otimismo de dona Anne? Certamente sabe ela que o candidato mais temido pelo mercado tem chances de se eleger, seja no primeiro ou no segundo turno. Seria porque acredita, como disse, que o futuro presidente brasileiro, seja quem for, vai manter as políticas macroeconômicas do atual, mesmo sendo Lula? Talvez sim, mas o mais provável é que a vice-presidente do FMI tentou uma jogada para reforçar o curto tempo de boas ondas que estávamos surfando. Os créditos para o Brasil começaram a reaparecer ou ser renovados. Em doses homeopáticas, é verdade, mas dólares já vinham sendo captados no exterior. A nossa balança comercial surpreendeu até os especialistas e autoridades em comércio exterior, registrando superávits bem maiores do que os esperados. O dólar, em relação ao real, passou a comportar-se melhor. O acordo com o FMI, de US$ 30 bilhões, um bocado de dinheiro na atual situação, foi firmado e outros indicadores positivos foram registrados.

Uma declaração de uma autoridade do FMI como Anne Krueger poderia reforçar esta onda positiva.

A previsão, de que os juros cairão no início do próximo governo, mais parece uma jogada para que os investidores estrangeiros não mais se retraiam e invistam no Brasil agora, quando as taxas estão ainda elevadas, do que um efetivo prognóstico. Qualquer que seja o eleito, desejará a queda dos juros. O problema é fazer isso e manter o indispensável nível de captação de recursos de que o País necessita. Os juros são o preço do dinheiro. Nós queremos pagar o mínimo, mas os que emprestam querem o máximo, com segurança.

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