“A igualdade consiste em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam”, sentenciou Rui Barbosa. O governo federal, em especial o grupo mais afinado com o PT de Lula, chegou ao poder pensando em regime único de previdência, sem distinção entre funcionários públicos e trabalhadores que são clientela do INSS. Explica-se: a idéia parece consentânea com os princípios socialistas que regem partidos como o PT, PC do B, PSB, PPS, PTB (?) e até algumas alas do PMDB.
Há pressa em fazer a reforma previdenciária. O atual sistema está falido. Há quem considere que o desemprego e o emprego informal são responsáveis pela baixa arrecadação na iniciativa privada. E aposentadorias precoces, no serviço público, somariam despesas que mais fundo cavam o buraco. Haveria ainda os privilégios, mas aí o tamanho do que abocanha cada um dos “sortudos” pode espantar. Mas a soma dos gastos que geram talvez seja pequena diante do imenso déficit do sistema. Acrescente-se a corrupção, a roubalheira, em pequena parte indiciada e até provada. Mas o retorno do dinheiro desviado não chega. Ou chega a conta-gotas.
O buraco da previdência inibe os projetos sociais e desenvolvimentistas de Lula. E inibiu também as iniciativas de governos passados. É muito dinheiro que o governo gasta com aposentadorias e pensões, pagando as que deve e subsidiando as que deveriam ser pagas com a arrecadação do sistema.
Como se trata de prioridade, Lula quer que o assunto seja discutido com a sociedade e, ainda neste semestre, se envie mensagem com proposta de lei de reforma do sistema previdenciário ao Congresso. A idéia seria zerar o feixe de idéias que existe sobre o assunto e o debate partir do marco zero. Mas o ministro Berzoini, da Previdência, já voltou a reiterar o que muitos de seus colegas e correligionários disseram: a idéia é sistema único. O ministro foi mais adiante, dizendo que deveriam acabar o que considera privilégios dos militares, do Poder Judiciário e do funcionalismo público em geral. Todos deveriam ganhar o teto que o INSS paga, hoje uma importância irrisória. Se a tese for aprovada, o que se vai ver é uma enxurrada de aposentadorias preventivas e outra de pedidos de demissão de servidores que, vendo que ficar no governo não tem futuro, irão bater em outra freguesia. Ou protestos ruidosos, de cuja periculosidade não se cogita por darmos crédito à solidez do regime democrático.
Pois está surgindo a tese contrária à do sistema único e mais consentânea com o princípio de igualdade traduzido por Rui Barbosa. Os militares, por exemplo, através do ministro da Defesa, José Viegas, e dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, partiram para a defesa de um regime próprio. “Queremos mostrar para o ministro Berzoini que os militares vivem situações diferentes das vividas pelos civis”, declarou Viegas. E acrescentou: “Tenho certeza que com o diálogo tudo ficará esclarecido e o Brasil terá uma reforma da previdência perfeita, do jeito que o governo quer”. O Judiciário, o Ministério Público, a polícia e outras categorias certamente apresentarão respeitáveis argumentos para também reivindicarem sistemas próprios de previdência. O ideal da igualdade pura e simples parece que começa a perecer por não agradar a ninguém, salvo haja nivelamento por cima, os que ganham menos passando a ganhar mais. Mas desta hipótese não se cogita.