Previdência: desafio e responsabilidade

 

A Lei de Responsabilidade Fiscal, com seu compromisso reformista e modernizante, alterou substancialmente o perfil da administração pública, até então atacado por erros sucessivos de decisão, discricionariedades e excesso de gastos, e tratou, com ênfase, da Previdência Social, por suas implicações nas contas públicas e no montante da dívida.

Na verdade, a questão previdenciária constitui problema estrutural, de grande dimensão, envolvendo aspectos políticos, financeiros e sociais. O Congresso Nacional e o Judiciário têm manifestado entendimento oposto ao do Executivo, especialmente no que se refere à contribuição dos inativos, o que influi decididamente na relação receita/despesa do sistema e não permite encaminhamento mais consistente.

Informações disponíveis indicam que, desde 1995, o déficit da previdência cresce, em média, 10% ao ano, o que enseja afirmar que, mantida essa tendência, o resultado negativo, em 2002, será da ordem de R$ 53,4 bilhões, coberto com recursos do tesouro. Ora, considerando que o Brasil gasta, atualmente, 10% do PIB com aposentadorias, esse patamar é elevado, pois, apenas 4.5% de sua população está acima de 65 anos.

Objetivamente, a Previdência se apresenta como um dos maiores desafios à imaginação criadora do governo e dos especialistas. A situação chegou a um estágio em que não é mais possível procrastinar a formulação de solução de curto prazo, já que as medidas legais, constitucionais e administrativas, até agora aprovadas, não têm tido a virtude de pavimentar o caminho para o futuro. Na área federal, dados divulgados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social demonstram que o número de inativos se iguala aos que estão em atividade. Em 2001, a União pagou R$ 28 bilhões e arrecadou R$ 3,7 bilhões. No conjunto, isto é, agregando-se os gastos com aposentadorias e pensões dos três níveis de governo, chega-se ao valor de R$ 56,4 bilhões, para uma arrecadação de, tão-somente, R$ 7,8 bilhões. Essa situação é tão preocupante que números financeiros apontam que os dispêndios com o déficit da Previdência do setor público são superiores aos valores destinados ao ensino fundamental.

Nos últimos anos, outro complicador veio se juntar ao prisma previdenciário, os chamados Regimes Próprios de Previdência. Dos 5.561 municípios brasileiros, quase 3 mil criaram fundos ou institutos de Previdência. Acontece que, instituídos sem qualquer cálculo atuarial, critério gerencial, análise de impactos futuros ou oportunidade de funcionamento, acabaram por se tornar bombas de efeito retardado, prejudicando substancialmente as já combalidas finanças municipais e as administrações futuras. Nesse sentido, praticaram contribuições não recolhidas ou em valor irrisório, apropriações indébitas de gestores, sob a forma de empréstimos ou desvio de recursos para outras áreas do desenvolvimento local, aposentadorias irreais, configurando-se verdadeira irresponsabilidade fiscal e previdenciária, geradores de conta de R$ 3,7 bilhões de benefícios pagos e arrecadados somente R$ 500 milhões.

Por outro lado, não se desconhece que o déficit da Previdência é resultado da conjugação de vários fatores, tais como mudanças demográficas, aumento da expectativa de vida, fraudes, sonegação, queda da base de contribuição (trabalho informal e desemprego), omissão de ajustes do modelo (na década de 70 o déficit já era previsto) e aumento das obrigações previdenciárias sem fonte de custeio equivalente. Não resolve, porém, ficar analisando causas. É preciso fazer ajustes, e rápido, e abrir totalmente as contas para ampla discussão com a sociedade, flexibilizar a adesão à Previdência (alíquotas menores para quem não pode pagar), alterar os parâmetros de elegibilidade (idade mínima, tempo de contribuição) para os novos segurados e separar os sistemas, com a criação de fundos para os segurados da iniciativa privada e do serviço público.

No Paraná, são mais de 250 Fundos de Previdência, a grande maioria revestida de problemas operacionais sérios, contas desarticuladas, ausência de transparência e déficits crônicos. A Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu regras procedimentais básicas, em que se incluem demonstração das receitas previdenciárias, gastos com pensões, inativos e comparações em relação à receita corrente líquida. Além disso, legislação federal, Medida Provisória e Atos Normativos Ministeriais têm disciplinado a atuação desses fundos, especialmente quanto às avaliações atuariais, separação de contas e solvência do empreendimento.

Diante desse quadro, é necessário que a Previdência seja colocada como assunto prioritário de política governamental, inclusive pelos governantes a serem eleitos, numa demonstração de coragem, determinação e responsabilidade. É preciso redefinir a base de arrecadação e a repactuação do valor do benefício, já que os aposentados não têm culpa pelo caos reinante, pois, cumprido o tempo legal de permanência na atividade, adquirem o direito à aposentadoria. Cabe, portanto, ao Poder Público, corrigir distorções, erros do passado e projetar futuro capaz de resgatar a dignidade da Previdência. Longe disso, não se chegará a lugar algum.

Rafael Iatauro é presidente do Tribunal de Contas do Paraná.

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