O que já se fez não foi pouco, mas ainda falta alguma coisa. O Brasil é o quarto país do mundo no item explosão carcerária. De 1990 até 2008 o crescimento populacional penitenciário foi de 500%. Fechará o ano de 2008 com cerca de 500 mil presos. Alcançamos o quarto posto mundial em número de presos (cf. Julita Lemgruber, em Diário de Notícias, 29/11/07, p. 1).
Nesse item, o Brasil só perde para os Estados Unidos (cerca de 2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (cerca de 0,8 milhão) (cf. World Prison Population List, do International Center for Prison Studies do King?s College de Londres). Já ultrapassou a Índia, que conta com mais de um bilhão de habitantes.
O sistema prisional brasileiro oferece 262 mil vagas. O déficit gira em torno de 260 mil. O governo vai investir este ano R$ 329 milhões para a construção de novos presídios, ou seja, de novas ?faculdades do crime?.
O Estado de São Paulo é o campeão nacional em construção de presídios, mas continua com 50 mil vagas de déficit. Conta com 150 mil presos (35,7% do país) e um ?decepcionante? índice de reincidência (58%). Dos 7.000 presos que o sistema devolve para a sociedade, (?só?) cerca de 4.000 reincidem. Pelo que os presos aprendem dentro do presídio e pelo tratamento que recebem fora dele como egressos, é um ?baixo? índice. Tende a crescer, pois do contrário o Brasil não se firma como forte candidato a país mais corrupto e violento do mundo.
Um quarto dos presidiários é de baixa periculosidade, segundo afirmou o ministro da Justiça. Poderiam ser punidos com penas alternativas, mas ocorre que essas penas impedem o infrator (amador) de passar pela escola do crime, que é a prisão. É por esse motivo que lá se encontram.
Há mais de 160 anos critica-se duramente a prisão. Depois de quase dois séculos de ?monótonas críticas? cabe perguntar: afinal, a prisão é um fracasso ou um sucesso?
Um sucesso, responde Foucault (?Vigiar e Punir?, tradução de Raquel Ramalhete, 34.ª edição, Petrópolis: Vozes, 2007, p. 223). A prisão (e o castigo em geral) ?não se destina a suprimir as infrações, sim, a distingui-las, a distribuí-las, a utilizá-las (…) a penalidade é uma maneira de gerir as ilegalidades (…) ela não reprime todas as ilegalidades, as diferencia (…) a prisão faz parte do mecanismo de dominação, ela serve aos interesses de uma classe?.
A prisão, ?aparentemente ao ?fracassar?, não erra seu objetivo; ao contrário, ela o atinge na medida em que suscita no meio das outras uma forma particular de ilegalidade, que ela permite separar, pôr em plena luz e organizar como um meio relativamente fechado, mas penetrável. Ela contribui para estabelecer uma ilegalidade, visível, marcada, irredutível a um certo nível e secretamente útil… ela desenha, isola e sublinha uma forma de ilegalidade que parece resumir simbolicamente todas as outras, mas que permite deixar na sombra as que se quer ou de deve tolerar?.
Em outras palavras: a prisão não é um fracasso, e sim um sucesso, porque ela consegue, como nenhuma outra instituição, produzir uma espécie de delinqüência (normalmente violenta), inclusive organizada, desviando a atenção da massa em relação à criminalidade diária das camadas abastadas.
Os mais famosos grupos organizados (PCC, Comando Vermelho, etc) nasceram dentro dos presídios. Precisamente porque é dentro deles que os contatos são feitos, que as experiências são trocadas e que os ?soldados? são treinados.
O crime violento dos presidiários precisa ter visibilidade (daí a necessidade da divulgação dessa violência pelos meios de comunicação). É preciso gerar ira na população, que se volta para esse tipo de criminalidade, ficando fora da sua percepção a delinqüência fraudulenta, a corrupção, que é típica das camadas sociais privilegiadas.
A prisão é um sucesso porque ela identifica uma das criminalidades do país, ela especifica (e publiciza) um tipo de delinqüência (deixando outra a das classes sociais potentes na sombra, no esquecimento). Os delinqüentes presidiários ou presidiáveis (os que habitam ou podem habitar a prisão) são apresentados como temíveis, próximos, estão presentes em toda parte. Essa é a função do noticiário policial, que se preocupa em mostrar, com toda a dramatização inerente, um delinqüente desajustado, marginalizado, fora do cotidiano familiar e laborativo.
Ficam completamente fora desse contexto as operações da Polícia Federal voltadas para a investigação dos criminosos poderosos (juízes, promotores, parlamentares, ministros, empresários, etc). Também não se coaduna com esse quadro o contranoticiário dessas operações (envolvendo nomes de gente graúda). Tudo isso foge do cotidiano, do normal. São elementos novos, certamente ?perturbadores? do ?bom? desenvolvimento das atividades criminais das classes privilegiadas. Que, muitas vezes, são a raiz da criminalidade das camadas mais pobres.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do Ipan -Instituto Panamericano de Política Criminal, consultor e parecerista, fundador e presidente da Rede LFG Rede de Ensino
Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina – Líder Mundial em Cursos Preparatórios Telepresenciais – www.lfg.com.br)