O presidente Fernando Henrique Cardoso apertou a mão de Itamar Franco, apesar da pública inimizade que o governador de Minas Gerais lhe devota. E a despeito das reprimendas que o governo federal aplicou a Minas, desde que seu governador tomou atitudes desafiadoras, como uma moratória e o posicionamento político de Itamar, favorável a Lula. Razões existem para a paz entre os dois, mesmo que aparente. O presidente da Câmara dos Deputados, deputado Aécio Neves, é candidato à sucessão de Itamar, com o apoio do governador mineiro e de FHC. É razão plausível para a posição pacificadora do presidente. Ele sempre foi conhecido como conciliador, o que, às vezes, tem sido interpretado como indecisão ou demora na adoção de soluções.
Concomitantemente com este ato conciliador justificável em relação a Itamar, o presidente Fernando Henrique Cardoso usou de sua mesma e freqüente atitude de postergar soluções de problemas, conciliar, preferir intermináveis negociações ou fechar os olhos, para trabalhar contra a intervenção no Estado do Espírito Santo. Depois ter acenado com anuência à intervenção federal naquele Estado, em defesa dos direitos humanos, já que detectado domínio do crime organizado sobre instituições públicas, inclusive os poderes Executivo e Legislativo, o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, mandou arquivar o processo. Representação que teve origem em denúncia da Ordem dos Advogados do Brasil e intervenção que foi solicitada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, órgão ligado ao Ministério da Justiça.
O engavetamento deu-se logo após um encontro do procurador Geraldo Brindeiro com o presidente FHC. Reunião estranha, inusitada nesses casos e desnecessária, pois Brindeiro é procurador da República e não do presidente da República. E a ele não está nem ligado nem subordinado. Ficou claro que Fernando Henrique Cardoso, como conciliador impenitente, pediu o arquivamento, alegando que estamos em ano eleitoral. E a intervenção seria inconveniente nessa situação.
FHC não levou em conta sequer o fato de que, na tramitação do processo de intervenção, depois do procurador-geral da República caberia pronunciar-se o Supremo Tribunal Federal. Portanto, o processo seguia seu necessário caminho e a decisão não seria tomada precipitadamente. Mas, em nome da paz eleitoral num Estado que está nas mãos do crime organizado, Fernando Henrique só não lavou as mãos porque nem correu o risco de pô-las em ação. Preferiu nada fazer, passar a batata quente para o submisso Geraldo Brindeiro.
As conseqüências foram imediatas. Estourou uma crise no governo de Brasília, renunciando o ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, e, com ele, toda a cúpula do seu Ministério e da Polícia Federal. E isso acontece quando esses setores do governo mantêm acirrado debate com o PT, por causa de pretensas escutas telefônicas que seriam de interesse eleitoral situacionista ou de iniciativa dos próprios petistas. A crise não se encerra aí, pois o próprio candidato situacionista à Presidência, o senador e ex-ministro de Fernando Henrique, José Serra, lamentou a interrupção do processo de intervenção. E a candidata a vice de Serra, a peemedebista capixaba deputada Rita Camata, condenou clara e abertamente a atitude conciliadora do governo.
FHC dá, assim, sinais evidentes de que está enfiando a viola no saco, esperando apenas o fim de seu mandato. Ele, que vinha pregando que é preciso governar até o último minuto, independente dos resultados das próximas eleições, dá o mau exemplo de leniência com o crime organizado.